Tiago Marques | Redação 96FM
O ginásio de esportes da Faculdade Guanambi recebeu um grande público para a Mesa-Redonda: “Parque Estadual da Serra dos Montes Altos – a importância da conservação para o Semiárido”. O evento surgiu a partir de uma proposta da professora da instituição, Maria Adonay Nogueira, ela também é pesquisadora integrante do Observatório do Semiárido da FG. Um requerimento que tramita na Assembleia Legislativa da Bahia pede a implantação de um parque eólico na unidade conservacionista. O debate foi marcado pela desproporcionalidade, apenas uma pessoa que defende a implantação do parque eólico aceitou participar da mesa-redonda. Segundo a coordenação do evento, a deputada Ivana Bastos também foi convidada, mas não respondeu ao convite.
Na primeira fase dos debates, participaram o Diretor Acadêmico Administrativo da Faculdade Guanambi, Sr. Georgethon Melo Nogueira edo presidente da Subseção de Guanambi, Marco Antônio Veira Jungler. Georgethon deu boas-vindas aos presentes em nome da direção da faculdade, ele também falou sobre a importância das unidades conservacionistas e das políticas de criação de parques mundo a fora. Já o presidente da OAB, pediu responsabilidade dos governantes em relação a preservação do único refúgio da vida silvestre na região. Em sua fala ele enfatizou que a região já é habitada há mais de 12.000 anos e se foi poupada este tempo todo, não é possível que se perca toda esta história.
A segunda fase dos debates foi aberta com o professor de história e funcionário público municipal Jackson Nascimento. Ele fez um panorama das riquezas naturais e arqueológicas do parque, suas 148 nascentes, cachoeiras e parques arqueológicos, defendendo o uso do parque para exploração turística e cultural. Para isso, ele enfatizou a necessidade da elaboração do plano de manejo e deu um exemplo de como esse potencial pode ser explorado. “Se entrarmos em um carro, com uma hora de viagem estaremos ao lado de um sítio arqueológico no município de Candiba. Alguns professores de forma ousada, levam seus alunos, crianças e adolescentes, para ter este contato com a história, mas nós ainda não conseguimos fomentar isso em uma atividade econômica pois ainda não estamos tecnicamente prontos.” Concluiu Jackson.
A fala seguinte foi do arqueólogo, professor da UESB de Vitória da Conquista, Joaquim Perfeito da Silva, autor do livro “Territórios e Ambientes da Serra de Monte Alto”, publicado pela universidade em 2012. Ele falou sobre a riqueza arqueológica do local, disse que na Serra dos Montes Altos está localizado um dos maiores sítios arqueastronômicos do Brasil e que segundo suas pesquisas, o mesmo é datado como construído há mais de 3000 anos. Também são vários sítios arqueológicos, alguns repletos de pinturas rupestres datadas entre 6000 e 12000 anos, além de sítios da era pré-colonial. Ele também falou sobre a casa de pedra, local onde por volta de 1730 foi construída uma fábrica de beneficiamento de salitre para fabricação de pólvora para a coroa portuguesa. Concluindo sua fala ele afirmou ser “impossível construir um parque eólico no parque estadual, o patrimônio arqueológico é protegido pelo IPHAN, Ministério Público e outros órgãos que não permitirão isto”. Ele disse ainda que a estrutura geológica da área é muito fraca para suportar as explosões e desmoronamentos desta grande obra. “O impacto será sentido nas localidades abaixo da Serra. Com o desmatamento, a areia vai descer e cobrir pastos e plantações, estão ignorando este fato”. Ele finalizou dizendo que embora o conselho gestor do parque tenha sido desarticulado, existem pessoas trabalhando em estratégias de consolidação do mesmo, ele acredita que seria melhor fomentar o turismo para gerar renda e desenvolvimento social.
O ex-gestor do parque, o biólogo Laiton Câmara, falou sobre a desarticulação que o governo promoveu na estrutura administrativa do parque nos últimos anos. “Tínhamos excelentes perspectivas sobre o parque, infelizmente o governo do estado desarticulou o conselho, justamente no período após o surgimento do potencial eólico na região”. Ele comemorou o fato de neste período ter pelo menos sido implementada a atuação de 22 guardas-paque na área. Como biólogo disse que é de fundamental importância a manutenção da unidade conservacionista e defendeu que todo o trabalho seja restabelecido, principalmente a conclusão do plano de manejo. Laiton também falou sobre o avançado processo de desertificação que sofre a região de Guanambi, constatado em seus trabalhos junto a órgãos governamentais.
O único defensor da proposta de implantação do parque eólico, Tibério Fausto, vereador de Pindaí e morador da região conhecida como Lagoa Funda, localizada na área do parque estadual. Ele disse que esteve na luta pela criação do parque estadual desde o começo, pois a atividade lenhadora e de caça ocorriam desordenadamente na área. Porém segundo Tibério, “tudo não passou de uma faz de conta, tudo se resumiu a um decreto, não indenizaram os proprietários das áreas, não investiram em infraestrutura, não fizeram nada para o desenvolvimento local”. Tibério fez duras críticas aos guarda-parques que atuam na proteção da área. “Eles são mal orientados, impedem os moradores de exercerem suas atividades tradicionais, recentemente agiram com truculência contra um morador que tem problemas mentais por que este portava um estilingue, este ato deixou o rapaz traumatizado”. Para Tibério, os que se dizem defensores do parque não conhecem o local, ele também fez uma ampla defesa da energia eólica como energia limpa. Ele disse que acompanha os trabalhos das empresas que constroem os parques eólicos na região e afirmou que estas fazem trabalhos transformadores nas comunidades onde atuam. Por fim, defendeu que as torres eólicas implantadas de forma consorciada com a área de preservação sejam a solução para a conservação do parque, uma vez que trará renda para investimentos.
Juliano Vilas Boas da ONG Centro de Agroecologia no Semiárido, contestou os argumentos de Tibério sobre a situação do parque. “Não é por que o estado não faz a parte que abriremos mão de conservar o parque”. Sobre as obras eólicas ele foi enfático em ressaltar o abuso das empresas. “Atuando na Comissão Pastoral da Terra de Caetité pude presenciar a grande contradição da “energia limpa”, o desrespeito às comunidades tradicionais, os contratos abusivos e forma que de coação que estas empresas usaram para garantir contratos vantajosos, contratos estes que só favorecem as empresas. Falam em desenvolvimento, mas eu pergunto: desenvolvimento para quem?”. Fabrício acredita que não estão sendo respeitados os modos de vida da população, sobre tudo das comunidades tradicionais. Ele concluiu com outra indagação. “Com tantas torres, tanta energia e esta mudança completa na nossa paisagem eu faço outra pergunta: nossas contas de energia diminuíram de valor? ”.
O filosofo Daniel Reis, professor de filosofia do IF Baiano também foi convidado para compor a mesa e expor a sua visão filosófica sobre o tema. O seu discurso foi marcado pela ponderação entre o que é mais importante para a Serra, para os moradores do local e das cidades que compõem o parque. Para ele, é extremamente importante a participação da população nas tomadas de decisões e é preciso ter cautela com esta busca desenfreada com o “desenvolvimento” que na maioria das vezes serve apenas a uma pequena parcela de pessoas.
O último a expor ideias na mesa-redonda foi Alcebiades Laranjeira Segundo, membro do conselho gestor do parque. Ele focou sua fala na importância da preservação da Serra por conta da importância das nascentes. “Hoje nossa água vem do rio São Francisco, e nossa Serra é uma caixa d’água que fornece água para esse grande rio que está morrendo”. Ele também falou sobre energia solar, “se estes governantes estivem interessados em melhorar a vida do povo, usariam nosso potencial para produzir energia no telhado de nossas casas, não entregariam tudo para os estrangeiros como fizeram com as eólicas aqui e farão com os parques solares na região de Bom Jesus da Lapa.” Concluiu.
Após as explanações dos debatedores, houve a participação do público, destaque para a fala do Senhor Amilton Domingues. Ele se apresentou como herdeiro de uma área de 3mil hectares, justamente onde está localizada a cachoeira da Mandiroba, um dos pontos de maior potencial turístico da Serra. Ele disse que vê positividade na proposta de implantação das torres, pois acredita que “este absurdo” não acontecerá, mas que já serviu para fomentar o debate e espera que a partir disso, ações concretas sejam realizadas para fortalecer o parque. “Nas terras de minha família nenhuma torre será instalada, isto posso garantir”. Afirmou Domingues.
Os participantes lamentaram a ausência de mais representantes do poder público no debate, mas afirmaram estarem dispostos a promoverem mais ações para discutir o futuro do Parque Estadual da Serra dos Montes Altos. Centenas de pessoas assinaram um abaixo assinado contrário à proposta de implantação do parque eólico no local.