O estado do Rio de Janeiro registrou no ano passado 431 vítimas de violência motivada por LGBTfobia. O número leva em consideração as ocorrências registradas em delegacias e está incluído no dossiê LGBT+ elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, lançado hoje (10).
O mês com maior número de casos foi abril (55) e o com menor, fevereiro (15). Os jovens de 18 a 29 anos somam mais de 40% das vítimas de LGBTfobia. Para o analista do ISP, Victor Chagas que organizou o estudo, o dado que mais impressiona é que em 55% dos 431 casos, as vítimas conheciam os autores. “Mostra a familiaridade da vítima com o autor. Esse número vai um pouco na linha do Dossiê Mulher [também elaborado pelo ISP]. Grupos vulneráveis, em geral, têm dinâmicas parecidas. Então, a gente acaba vendo padrões do Dossiê Mulher também neste dossiê que a gente está lançando com dados estatísticos LGBT”, afirmou.
Segundo o analista, o trabalho foi exaustivo porque é preciso analisar nos registros a motivação para o crime e nos casos de LGBTfobia, em geral isso não fica muito claro. “A gente fez um trabalho bastante custoso em termos de tempo porque foi um trabalho de procurar a motivação e toda vez que fala em motivação de crime é um trabalho árduo, porque tem que abrir os registros e ler para saber a motivação. Não é uma informação pronta, depende de investigação da polícia. É uma informação mais difícil de ser adquirida”, disse.
Chagas alertou que é importante deixar claro que, apesar de ser um Dossiê LGBT, nem todas as vítimas de LGBTfobia são LGBT. “Esta é uma informação que as pessoas não entendem muito. Basta que a pessoa acredite que você é LGBT. Se alguém acredita, por exemplo, que uma pessoa é lésbica, mesmo que ela diga o contrário, ela pode sofrer uma agressão independente disso. Isso dá uma dimensão ainda mais grave porque o autor que faz este tipo de crime formula uma ideia de como a população LGBT deve ser e pratica os crimes com base nessa ideia que faz da população”, observou.
Residências
Outro dado que chamou a atenção do analista do ISP é que mais de 40% dos crimes ocorrem em locais residenciais – não necessariamente a residência da vítima. “Também mostra algum tipo de familiaridade. Você não estará em uma residência de alguém que não faz ideia de quem seja. Tem residências e condomínios como 43,4% do palco dos fatos”, informou.
Maria da Penha
Segundo Chagas, os números de violência moral atingem aproximadamente 52% dos casos. Para avaliar este tipo de crime, ele conta que a equipe os categorizou em tipos de violência com a mesma classificação usada na Lei Maria da Penha.
“Violência moral, psicológica, física, patrimonial e sexual – a gente adaptou os crimes que estava encontrando para entrarem nessas caixinhas. A gente tem um percentual bastante alto de violência moral, que a maior parte é composta por injúrias, principal crime neste tipo de grupo. Temos 22,7% tanto para violência psicológica, quanto para violência física, os dois com o mesmo percentual. Da física a maior parte é lesão corporal dolosa e na psicológica a maior parte é ameaça”, conta.
Homicídios
O estudo encontrou poucas informações sobre homicídios motivados por LGBTfobia. De acordo com o analista, em tese o homcídio está incluído em violência física, mas é difícil estabelecer que a motivação do crime foi LGBTfobia. “Muitas vezes homicídios praticados contra a população LGBT tem poucas informações e são em locais sem testemunhas. Não é possível saber ao certo”, completou.
Travestis e transexuais
Chagas identificou ainda o problema de subnotificação de crimes contra travestis e transexuais, que ele chama da população T: “a população T sempre tem mais dificuldades em acessar os meios formais de segurança”.
Ele conta que, por questões históricas relacionadas ao medo da polícia, poucos registram, formalmente, esses casos de violência. “Não notificam os crimes. É bastante complicado, questões históricas também colocam o medo que a população de travestis e transexuais tem em relação a polícia. A gente tem pouquíssimos números de travestis e transexuais na nossa mostra, são 13 transgêneros. O número é pequeno e reforça a ideia de que há subnotificação”, disse, acrescentando que não se pode afirmar categoricamente que há subnotificação, mas pesquisas fora do Brasil apontam nesta direção. “A gente credita que isso aconteça sim, até porque, tem várias pesquisas de vitimização de fora do Brasil que falam que a população T subnotifica bastante por causa da questão de medo, de estigma. São muitos fatores”.
Relato
Durante o lançamento da publicação, o funcionário público aposentado Eduardo Michel, de 63 anos, morador da Tijuca, relatou agressão sofrida em 2017: “Até hoje tomo medicação para a memória. Tive depressão muito forte. Tem coisas que eu tenho lapsos. É o próprio inconsciente para se preservar. Foi uma coisa emblemática. Não foi só comigo Eduardo Michel. Isso acontece com militantes LGBT. O meu companheiro ficou muito machucado. Graças a Deus ele conseguiu ficar sem sequelas a não ser a psicológica”, disse.
O aposentado contou da dificuldade em enfrentar a LGBTfobia, pois ela está dentro das instituições, dentro da própria família, dentro da própria casa. “A família esconde. Quando morre um LGBT todo mundo quer esconder. Além das ameças físicas, dizendo que vão nos matar, isso eu escuto toda hora. A família não quer se expor. Primeiro não quer dizer que é LGBT. Quando não pode negar dizem, até com apoio da própria polícia, que não é caso de LGBT. O meu caso saiu como briga de vizinhos. Chamei a imprensa e aí acabaram descobrindo o caso”, concluiu.
Fonte: Cristina Indio do Brasil – Repórter da Agência Brasil