O bloco carnavalesco “Tá pirando, pirado, pirou!” desfilou neste domingo (24), na Urca, zona sul da capital fluminense, precedido por um ato organizado pelo psicanalista e psiquiatra Antonio Quinet contra a volta dos manicômios para tratamento de pessoas com problemas mentais.
“Os usuários dos serviços de saúde mental que, no passado, eram isolados em asilos, hospícios e manicômios psiquiátricos, hoje estão ao lado de seus terapeutas, psiquiatras e psicanalistas, tendo tratamento externo, em função da grande reforma psiquiátrica que conseguiu a abolição dos hospitais psiquiátricos como tratamento privilegiado da doença mental”, afirmou Quinet.
A presença de profissionais e médicos no desfile deste ano visou chamar a atenção da sociedade para as novas diretivas para a saúde mental, que propõem a volta do hospital psiquiátrico e dos eletrochoques, bem como das internações compulsórias.
“O isolamento do paciente em tratamento por eletrochoque vai contra considerar o indivíduo com problemas mentais como o sujeito da sua própria história e com a possibilidade de falar e se expressar”, disse o psiquiatra. Os profissionais se posicionam também contra a internação de menores, que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente. “Nós sabemos a importância de mantê-los no núcleo familiar e, se possível, na escola”, afirmou Antonio Quinet.
Durante o desfile do bloco, seguido por uma multidão de pessoas, estandartes mostravam o posicionamento dos médicos da rede de saúde mental contra o que consideram um retrocesso, em meio à música e à alegria dos componentes da agremiação. Com a reforma psiquiátrica, de 2001, hospitais psiquiátricos, conhecidos como hospícios, têm sido fechados para se investir no tratamento de pacientes sem confinamento.
Os psicanalistas esclarecem que a reforma psiquiátrica nunca negou a necessidade de internação ou de medidas de cuidado mais intensivo em situações de crise, mas defendem que ela seja feita em instituições “mais permeáveis e arejadas”, como os centros de Atenção Psicossocial (CAPs 24h), unidades de Pronto Atendimento (UPAs), enfermarias de urgência e emergência.
Bloco
O Coletivo Carnavalesco e Ponto de Cultura Tá Pirando, Pirado, Pirou! é um bloco formado por usuários e profissionais da rede pública de saúde mental do Rio de Janeiro, familiares dos usuários e simpatizantes da causa de uma sociedade sem manicômios.
Segundo o psicanalista Alexandre Ribeiro, um dos fundadores do bloco, o enredo deste ano prestou homenagem ao escritor Lima Barreto (1881-1922) que, por duas vezes, esteve internado no antigo Hospício Nacional de Alienados.
O tema escolhido foi “Na Terra dos Bruzundangas: Lima Barreto Visionário”. O samba vencedor deste ano foi Espelho do Real, de autoria de profissionais do CAPs Maria do Socorro, da Rocinha.
Criado no bojo do movimento de revitalização do carnaval de rua carioca, em 2005, o bloco é fruto da percepção de que há afinidades entre a festa popular e democrática do carnaval de rua e o espírito da reforma psiquiátrica brasileira, pautado pela lógica da integração social. O nome do bloco foi sugerido por um paciente do Instituto Pinel (instituto municipal cuida de pessoas com problemas psiquiátricos e transtornos mentais): “Não vamos fazer carnaval só pra quem já pirou e está aqui dentro do Pinel. Vamos pra rua brincar com quem ainda tá pirando… Tá Pirando, Pirado, Pirou! É todo mundo junto!”.
O coletivo trabalha no sentido de criar um novo imaginário social, no qual o louco é reconhecido como cidadão com direitos e alguém capaz de criar e contribuir para a construção de um mundo mais inclusivo, mais amoroso e mais plural.
O desfile ocorre na Avenida Pasteur, endereço do primeiro hospício da América Latina, fundado por D. Pedro II em 1852, hoje ocupado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O bloco finaliza a folia em frente ao Pão de Açúcar, um dos cartões-postais da cidade.
Em 2014, o bloco integrou a Rede Carioca de Pontos de Cultura, tornando-se o Ponto de Cultura Tá Pirando, Pirado, Pirou! Folia, Arte e Cidadania.
Fonte: Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil