O Museu Casa do Pontal inaugura hoje (25) a exposição Fronteiras da Arte: Criadores Populares, no Espaço Cultural BNDES, no centro do Rio Janeiro. Os visitantes poderão conhecer 100 peças que integram o acervo armazenado no edifício sede, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste da cidade. O imóvel, inundado no início do mês após chuvas torrenciais, foi fechado ao público. Por essa razão, juntamente com a abertura da exposição, a direção do museu lança uma campanha de financiamento coletivo para reabrir a sede.
De acordo com o diretor do Museu Casa do Pontal, Lucas van de Beuque, foi a sexta inundação e a pior delas. A água chegou à altura dos joelhos. O problema se tornou comum após mudanças no perfil da urbanização da vizinhança, com a construção de novos edifícios e condomínios.
“Conseguimos salvar as obras, mas estamos com o museu fechado devido aos danos na estrutura e no mobiliário. Por isso, recorremos à comunidade apaixonada pela arte popular, pela cidade do Rio de Janeiro e pela Casa do Pontal”, diz o diretor. A expectativa é arrecadar R$ 80 mil e as doações podem ser feitas pelo portal Benfeitoria.
Lucas é neto do francês Jacques van de Beuque, artista e colecionador de arte que criou o museu. Falecido em 2000, o estrangeiro deixou a Europa em decorrência da Segunda Guerra Mundial e passou 40 anos viajando pelo Brasil para formar o acervo. Desde 2004, o museu conta com a parceria institucional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O espaço é também tomado como patrimônio cultural do Rio de Janeiro.
O Museu Casa do Pontal abriga mais de 4 mil peças e oferece ao público uma exposição permanente, com obras representativas das variadas culturas rurais e urbanas do país.
Além de turistas e interessados na cultura e no patrimônio brasileiro, o local recebe um fluxo constante de estudantes de diversos níveis de escolaridade. Diante do seu fechamento, visitas de escolas agendadas com meses de antecedência estão sendo canceladas e impossibilitadas de serem remarcadas.
Exposição
De acordo com a antropóloga Angela Mascelani, que também é integrante da direção e responde pela curadoria da exposição no BNDES, as 100 obras selecionadas envolvem trabalhos de 27 artistas de 10 estados brasileiros. Ela explica a temática da mostra. “Nós temos artistas que trabalham as fronteiras entre o homem e o animal, entre o humano e a natureza. Tentamos reunir artistas que veem a natureza como algo dentro do humano e não como algo externo”.
A exposição também traz uma parte histórica, com autores importantes para a visibilidade da arte popular, como Mestre Vitalino, Zé Caboclo, Manoel Eudócio.
O visitante poderá conhecer ainda uma amostra de expressivos núcleos artísticos, como o que se desenvolveu no Rio de Janeiro em torno de Adalton Fernandes Lopes, e grupos de Minas Gerais, sobretudo no Vale do Jequitinhonha, com nomes como Noemisa Batista e Maria Assunção.
A curadora destaca que a instalação ajuda a compreender a diferença entre artesanato e arte popular, dúvida comum manifestada pelo público.
Dezenas de pratos de cerâmica similares foram colocados diante de esculturas únicas para evidenciar o contraste.
“O artesanato é o grande campo de onde surgem essas produções. Esses artistas integram pequenos núcleos, a maior parte em pequenas cidades e em regiões periféricas das grandes cidades. O pessoal da cerâmica vai produzindo potes, panelas e utensílios sem série para uso cotidiano. Aprimorando a técnica, eles mudam para um trabalho mais subjetivo, autoral e pessoal. A arte guarda uma particularidade”.
Angela Mascelani destaca ainda a importância histórica dos trabalhos expostos. “A arte popular geralmente é feita por pessoas vinculadas mais ao mundo da oralidade e menos ao mundo da escrita. Muitas vezes tiveram uma escolaridade precária ou viviam em locais onde sequer tinham acesso a escolas. Então, essas pessoas transformaram a produção em uma escrita da sua visão de mundo. Essas peças são, de certa forma, uma escrita da história, do ponto de vista das camadas populares. É arte, mas também é documento histórico, revelando elementos abrangentes da cultura brasileira, dos hábitos, dos costumes”.
A exposição já estava planejada antes mesmo da inundação e foi viabilizada após ser selecionada em um edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O público poderá visitá-la até 28 de junho. O Espaço Cultural BNDES funciona de segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 19h.
Nova sede
Embora a preocupação prioritária da direção do Museu Casa do Pontal seja a reabertura da atual sede, a médio prazo espera-se inaugurar seu novo espaço.
Por ter autorizado as obras que resultaram nas inundações, a prefeitura reconheceu sua responsabilidade e cedeu um terreno na Barra da Tijuca, no Rio. As obras da nova sede já estão 70% concluídas, mas foram paralisadas há 20 meses.
De acordo com a direção do museu, o município já investiu mais de R$ 5 milhões, dos R$ 7,5 milhões prometidos. Em contrapartida, o museu deve investir mais R$ 4 milhões. O projeto foi feito por arquitetos que elaboraram alguns dos galpões do Inhotim, em Brumadinho (MG), centro de arte contemporânea que busca explorar uma conexão entre obras e natureza. O paisagismo é assinado pelo escritório Burle Marx, atualmente dirigido por Haruyoshi Ono.
Atualmente, o Museu Casa do Pontal negocia com a prefeitura a retomada dos repasses para a conclusão da obra.
Enquanto não se encontra uma solução, o município chegou a oferecer um espaço para guardar o acervo “como reserva técnica” na Cidade das Artes, complexo cultural localizado na Barra da Tijuca. A direção do museu, porém, não vê sentido na proposta, pois trabalha com a ideia de reabrir sua atual sede ao público, além de considerar o alto custo do transporte especializado de obras de arte.
Fonte: Leo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil