O Estádio do Trabalhador, em Resende-RJ, foi palco de uma virada festejada por brasileiros e haitianos. O Perólas Negras, que nasceu de um trabalho de inclusão com refugiados do Haiti, foi campeão do primeiro turno do Campeonato Carioca da Série B2.
O Maricá saiu na frente no placar da final, mas o brasileiro Andinho marcou duas vezes e trouxe a vitória para a equipe profissional que conta com cinco haitianos. Com a vitória, o Pérolas Negras garantiu uma vaga na semifinal do campeonato, no qual os dois finalistas sobem para a Série B1.
Com 19 anos, o haitiano Badio Stanlley Saint Nosier conta que a emoção foi a ainda maior porque o gol da virada foi marcado aos 48 do segundo tempo. “O futebol tem isso. Às vezes, você acha que já perdeu, e, nos últimos minutos, a virada chega”, conta o atleta, que chegou ao Brasil em 2016 como refugiado e conquistou ontem seu primeiro título como jogador profissional. “Vejo claramente que Deus está me ajudando. Por ser refugiado e fazer parte de uma família aqui com outros jogadores tão bons. Conviver com os brasileiros tem sido muito bom”.
Badio vivia sozinho no Brasil até a chegada de sua mãe, em maio deste ano. Agora, os dois dividem uma casa em Resende, no sul do estado do Rio de Janeiro. “Foi muito bom que consegui tirar ela do lugar em que estava vivendo. Foi uma conquista enorme para mim”, diz ele, que lembra já ter passado até uma semana trancado dentro de casa por causa de tiroteios em sua vizinhança no Haiti. “Era muito perigoso”.
Também haitiano, Claude Davidson, de 21 anos, acompanhou a vitória de ontem do banco de reservas e conta que o vê crescimento no desempenho do Pérolas. “O treinador está fazendo um trabalho muito bom e criando um clima de família em que um brinca com o outro e todos são amigos”, diz ele, que teve muita dificuldade de aprender português em 2016, quando chegou ao país. “Uma professora me ajudou muito, me pediu para ouvir música e ver filmes, para entrar no clima dos brasileiros”.
Claude terminou o ensino médio no Brasil e, além da carreira como atleta, sonha em estudar medicina. No Haiti, ficaram a mãe, irmãos e a filha de 2 anos, que mora com a mãe dela. “Quero muito ir lá, mas para passar as férias. Não sei qual é o meu destino. Estou falando com você hoje e pode ser que amanhã eu esteja em outro lugar do Brasil ou em outro país. O que eu quero é chegar ainda mais longe”.
O técnico Luiz Paulo Barbosa também lembra que a emoção do título invicto foi grande. “Fomos coroados pela campanha do primeiro turno com uma conquista muito grande. A emoção é de todos nós. Somos um grupo pequeno e a alegria foi de todos, inclusive dos haitianos”, diz ele. “Os haitianos nos entendem bem no dia a dia, são alegres e contribuem bastante. Não ficam se prevalecendo da história de ter começado no Haiti. Dou oportunidade a todos”.
Além dos cinco haitianos, o elenco tem cerca de 20 brasileiros. Nas categorias de base, o Pérolas Negras conta ainda com sírios e um venezuelano, no Sub-20. Juan Andrés Rodriguez, de 20 anos, veio para o Brasil em 2015 com o pai e o irmão mais novo. Sua família já percebia que a situação econômica e social na Venezuela não caminhava bem e decidiu tentar um futuro melhor no Brasil. “O país estava muito melhor do que agora, mas dava para ver que tudo ia piorar”.
Juan tentou vagas em vários clubes brasileiros e encontrou no Pérolas Negras a chance de treinar para ser profissional. “O título de ontem foi muito importante, é uma conquista que dá mais segurança para todos nós, porque dá mais força ao clube”.
Iniciada pela Organização não governamental Viva Rio, a Academia de Futebol Pérolas Negras deve lançar uma loja virtual para arrecadar fundos para o projeto. Para viabilizar a ação, o funcionários do clube e até mesmo atletas receberam treinamento do Movimento Bora Vender e da plataforma de e-commerce (comércio virtual) XTECH Commerce.
Edição: Valéria Aguiar