As hepatites virais são doenças infecciosas sistêmicas que afetam o fígado, ou, em uma explicação mais simples, são inflamações do órgão. O fígado desempenha diversas funções, como a desintoxicação do corpo, o armazenamento de vitaminas e a sintetização do colesterol.
Entre 1999 e 2018, o Ministério da Saúde recebeu 632.814 notificações da doença. No período, a hepatite com mais registros foi a do tipo A (233.027), seguida pelas variedades C (228.695), A (167.108) e D (3.984).
A hepatite C foi o único tipo que teve crescimento, de 2014 para 2018. A taxa de incidência passou de 11,9 para 12,6 casos a cada 100 mil habitantes.
Por iniciativa do Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu, em 2010, o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais. Desde então, a data vem sendo celebrada anualmente, em 28 de julho. As hepatites virais são a causa de morte de cerca de 1,7 milhão de pessoas, por ano, no mundo.
Estigma
O preconceito continua sendo uma barreira para as pessoas que têm o diagnóstico confirmado. O tratamento discriminatório faz com que muitas pessoas que têm o diagnóstico sintam vergonha de sua condição, segundo Margô*, que montou uma organização não governamental (ONG) para lutar pela melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Ela contraiu o vírus através de uma transfusão de sangue, procedimento que se apresentou como saída para as sucessivas hemorragias que teve após a realização de uma cirurgia de garganta.
A detecção da hepatite C apareceu inesperadamente, sem suspeitas por parte de Margô. Ao entrar na terceira idade, ela decidiu que deveria fazer um check-up, para verificar se estava com a saúde em dia. Ao comentar com seu médico que havia feito a cirurgia, anos antes, o profissional adicionou à lista o exame que identifica a hepatite. “Quando veio o resultado, não entendi e levei ao medico. Me preocupou.”
Certa vez, relata, um oftalmologista a colocou para fora do consultório, por medo de contágio. A mesma atitude foi testemunhada sistematicamente por ela no trabalho à frente da ONG, que existiu por seis anos.
Ao longo dos anos de trabalho na instituição, Margô atuou em várias frentes pela humanização dos pacientes com hepatite, pleiteando, inclusive, acesso a tratamentos para pacientes pelo Sistema Único de Saúde. As demandas vindas de pessoas de baixa renda chegam até hoje, conta Margô, mesmo após encerrar o trabalho da ONG.
Tratamento e prevenção
Lia Lewis, chefe do Ambulatório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), avalia que o “principal gargalo” relativo à hepatite é identificá-la. Para ela, o acesso aos testes que permitem o diagnóstico precoce é fundamental para que haja uma diminuição no índice da doença. O governo federal distribuiu, em 2018, 25 milhões de testes de hepatite B e C.
“A maioria dos portadores dos vírus de hepatite B e C é, geralmente, assintomática. Eis o problema. Como você não sente nada, você não procura um médico, não acredita que tem necessidade de fazer um teste. O problema é que, de cada dez pessoas, uma possa sentir sintomas no momento em que se infecta, mas isso é raro”, pontua Lia.
De acordo com a especialista, outro fator preocupante é que muitas pessoas, sem saber que têm a doença, mantêm o hábito de ingerir bebida alcoólica, o que agrava o estado do fígado. “Isso pode acelerar o processo de cirrose e câncer de figado. Então, quanto mais cedo identificar, melhor o prognóstico, porque [o paciente] pode estar com cirrose em fase bem inicial e não sentir ainda”, explica.
O Ministério da Saúde informou que, desde janeiro deste ano, foram distribuídos, entre os estados e o Distrito Federal, 24 mil tratamentos completos para hepatite C. A expectativa é de que, até dezembro, cerca de 50 mil pessoas com infecção pelo vírus C sejam tratadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, existem vacinas para os tipos A e B da hepatite, que podem ser obtidas nos postos da rede pública de saúde. O Ministério da Saúde destaca no site que a hepatite C tem cura em mais de 90% dos casos quando o tratamento é seguido corretamente. As hepatites B e D têm tratamento e podem ser controladas, de maneira que a evolução para cirrose e câncer pode ser evitada.
A hepatite A é uma doença aguda e o tratamento se baseia em dieta e repouso. Normalmente, a melhora ocorre em algumas semanas e a pessoa adquire imunidade, ou seja, não terá uma nova infecção. Apesar disso, a recomendação é de que, independentemente do tipo, as consultas médicas sejam feitas regularmente, já que as infecções podem piorar.
Entre as medidas de prevenção da doença destacam-se uma estrutura adequada de saneamento básico, boas práticas de higiene pessoal, o uso de preservativos em relações sexuais e o uso de agulhas e seringas descartáveis. É importante também que não se compartilhem objetos perfurocortantes, como barbeadores e instrumentos de manicure e pedicure.
Avanços da ciência
Pesquisadora da área há mais de duas décadas, Lia Lewis considera que houve progressos quanto aos medicamentos usados no tratamento da hepatite. Segundo ela, atualmente, é possível administrar doses de medicação oral durante oito semanas somente, quando o caso é menos grave.
Lia comenta que sua equipe vem trabalhando, em parceria com estudiosos dos Estados Unidos, para compreender o mecanismo de resposta imunológica de pacientes. Ela complementa dizendo que o grau de mutação do vírus da doença é o obstáculo para o desenvolvimento de uma vacina para a hepatite C.
“O vírus muda muito. Às vezes, tem que descobrir qual é a região do vírus, uma proteína ou um antígeno em cima do qual se possa fazer a vacina, que possa abranger todas as cepas de genótipos. É também a historia do HIV.”, completa
*O nome da entrevistada é fictício.
Edição: Narjara Carvalho