Durante 16 meses, um sistema vai monitorar a quantidade de oxigênio ministrada a pacientes de enfisema pulmonar. Com a inserção dos sensores, os dados sobre o volume de oxigênio serão transmitidos a uma base de dados. Profissionais de saúde poderão monitorar a situação dos pacientes, verificando se há falta ou superdosagem de gás. Para os pacientes em cuidado domiciliar, a tecnologia também vai informar a necessidade de troca dos cilindros de oxigênio.
Após o teste, os pesquisadores devem fazer uma avaliação da eficácia do sistema, das possibilidades de fabricação e da viabilidade econômica de um eventual lançamento do produto no mercado. Os pesquisadores cogitam também outras aplicações como o controle de outros gases ou fluidos. O projeto será conduzido pelo centro de pesquisa CESAR, com sede em Recife em parceria com a Startup Salvus e com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Este é um dos exemplos de iniciativas que surge no país com o emprego de tecnologias digitais que vêm sendo chamadas de Internet das Coisas (IdC ou IoT, sigla em inglês). Assim como nos centros urbanos e no campo, a tecnologia vem provocando mudanças nas formas de prevenção e tratamento de doenças, bem como na promoção da segurança e qualidade de vida.
Segundo estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as aplicações de IdC podem contribuir para responder a diversos desafios relacionados à área, da atenção básica à alta complexidade.
No combate a doenças crônicas e infectocontagiosas, esses equipamentos podem ser empregados para o monitoramento remoto de pacientes, auxílio à identificação e controle de epidemias e diagnósticos descentralizados. Neste último exemplo, inovações viabilizam a realização de exames sem a necessidade de enviar amostras para laboratórios, permitindo maior agilidade em decisões do tratamento, especialmente em locais remotos.
Na promoção da qualidade de vida, o relatório lista soluções já em implantação no mercado, como monitoramento do condicionamento por meio de aparelhos como pulseiras, relógios e lentes de contato. Para assistência a pessoas mais velhas, pequenos sensores podem alertar quem faz o monitoramento em caso de queda.
No que o texto chama de eficiência de gestão, projetos de IdC podem realizar manutenção preditiva, identificando o desenvolvimento de um equipamento e adiantando-se no encaminhamento de reparos ou de reposição de insumos com antecedência evitando descontinuidade. Com isso, é possível, por exemplo, uma gestão mais eficiente de medicamentos, diminuindo desperdícios.
Um sistema denominado “geladeira inteligente de vacinas” (vaccine smart fridge), de uma empresa nos Estados Unidos, possibilita o acompanhamento em tempo real da temperatura, o que contribui para evitar dano às doses. Além disso, com a tecnologia, o controle do estoque pode ser realizado em tempo real em qualquer lugar do mundo, facilitando a gestão das doses.
Monitorando pacientes e trabalhadores
A empresa brasileira Carenet é uma das firmas ofertando serviços de IdC na área de saúde. Ela trabalha em diversas atividades relacionadas ao tema. Segundo o diretor da firma, Fernando Paiva, o sistema integra todo tipo de dado vital do paciente em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), analisa as condições da pessoa monitorada e gera alertas aos profissionais envolvidos na assistência.
“Temos bomba de nutrição, ventilador, cama, vários equipamentos emitindo dados. Isso vai para a plataforma, é transformado em painel e essas informações ficam disponibilizadas em tempo real. Em cada tipo de patologia ou problema, uma febre que subiu, alteração nos batimentos cardíacos, é gerado alerta automático por WhatsApp para o médico ou enfermeiro”, relata.
Uma das vantagens é evitar o risco de erro humano na coleta dos dados, o que pode induzir a diagnósticos errados. Outra é a aplicação de inteligência artificial para cruzamento de dados e análises preditivas, que auxiliam na formulação de diagnósticos ou acompanhamento da evolução do quadro de saúde. Paiva acrescenta que a tecnologia também facilita a rastreabilidade, registrando não apenas dados do paciente, mas também das operações dos profissionais.
Uma das soluções vendidas pela empresa é o monitoramento à distância de motoristas de veículos. Por meio de equipamentos que captam ondas cerebrais é possível verificar alterações da condição do indivíduo, como sonolência ou até mesmo o uso de substâncias entorpecentes.
“Tem alguns metaizinhos imperceptíveis dentro de um boné. Você faz análise do que está acontecendo no comportamento cerebral. Sei se a pessoa está entrando em estágio de sono, se ela usou droga, se ela usou substância que faz com que padrão seja alterado. Com o produto posso medir ritmo cardíaco”, relata o diretor da empresa. O serviço já está sendo disponibilizado a empresas da Espanha.
Este tipo de serviço de controle dos trabalhadores à distância também está sendo utilizado por clubes de futebol para monitorar os corpos de seus jogadores. “O sujeito [atleta] vale R$ 2 milhões. Quando ele vai pra casa ninguém sabe o que acontece com ele mais. O time quer acompanhar o que está ocorrendo com o corpo durante seis horas por dia. E sabe que horário este cara abusa mais do corpo dele”, diz Paiva.
Dados sensíveis
O advogado e autor de livros sobre o tema Eduardo Magrani disse que na saúde, os dados sendo coletados e compartilhados são considerados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em 2018 e com entrada em vigor prevista para agosto de 2020. As informações sobre a saúde de uma pessoa são enquadradas nesta categoria e seu tratamento passará a obedecer a regras diferentes dos demais registros. Conforme a LGPD, o processamento de dados do paciente só ocorrerá se o usuário consentir de forma específica e destacada para as finalidades preestabelecidas. Sem essa autorização, ainda assim, é permitido o tratamento para tutela de saúde.
Uma alteração na lei aprovada neste ano permitiu a “comunicação ou uso compartilhado de dados pessoais referentes à saúde com o objetivo de obter vantagem econômica” no caso da prestação de serviços de saúde e assistência farmacêutica. A nova lei só vedou o tratamento por operadoras de planos de saúde para a “prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade”.
Magrani defende um cuidado especial com essas informações. “Muitas clínicas e hospitais não dão a devida atenção a esses dados, que podem ser usados para manipular cidadão e influenciar o custo do plano de saúde”, disse. Para o advogado, não apenas a proteção de dados – como o respeito a preceitos éticos – precisam estar presentes desde o desenvolvimento dessas tecnologias, o que se aplica também aos dispositivos utilizados em soluções para saúde.
Roupas ou acessórios
O centro de pesquisa Instituto Igarapé também advoga por esses critérios, que chama de “privacidade e segurança por concepção”. A elaboração de aparelhos e aplicações, como os sensores e vestíveis (roupas ou acessórios que podem ser conectados à internet) deveriam reduzir ao máximo a coleta de dados e garantir a segurança necessária para evitar qualquer tipo de acesso indevido aos dados coletados.
Para o médico e pesquisador em saúde coletiva Giliate Coelho Neto, com a ampliação massiva de dados de saúde coletados e tratados, há um risco de abusos por operadoras em razão de flexibilidade dada pela LGPD e se não houver fiscalização para impedir que informações sensíveis como estas sejam utilizadas para prejudicar pacientes.
“Não existe um controle rígido deste compartilhamento de dados entre empresas ou mesmo dentro de um mesmo conglomerado, como já há no Brasil quem ofereça plano e seguro de saúde. Se você sabe que paciente já fez duas cirurgias e a pressão [arterial] vem dando alta, a empresa pode negar um seguro de vida. Já há indícios de que isso vem ocorrendo”, aponta Neto. Ele considera que para evitar problemas seria adequada a aprovação de uma regulamentação específica.
Edição: Liliane Farias