“Parabenizo (Benjamin) Netanyahu pela grande vitória e pela renovação de seu mandato como primeiro-ministro de Israel. Bibi é um grande líder e seguiremos trabalhando juntos pela prosperidade e pela paz dos nossos povos, com base em nossos valores e convicções profundas”, escreveu no Twitter, em 11 de abril, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Na ocasião, o partido de Netanyahu, Likud, havia sido o mais votado nas eleições gerais de Israel, fazendo do premiê o mais longevo da história do país – ele já acumula dez anos no cargo.
Bolsonaro havia acabado de fazer uma visita de Estado a Israel, onde fora recebido com honrarias por Netanyahu.
Os dois firmaram acordos de cooperação, e Bolsonaro acompanhou o premiê em uma ida ao Muro das Lamentações — algo raro na política externa, uma vez que líderes que visitam Israel costumam ir ao local sozinhos, para que o episódio não seja interpretado como um endosso à reivindicação israelense de uma área de Jerusalém que também é pleiteada pelos palestinos.
Bolsonaro também concluiu a visita com o “compromisso”, em suas próprias palavras, de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, medida que também causaria atritos na comunidade internacional. Por enquanto, porém, anunciou apenas um escritório comercial na cidade sagrada.
O problema de todos esses acenos a Netanyahu é que, desde então, o premiê israelense sofreu importantes percalços que podem tirá-lo do poder, complicando seu futuro, uma vez que ele é alvo de acusações de corrupção (as quais nega).
Naquele mês de abril, ele não conseguiu formar uma coalizão de governo e convocou eleições gerais, que foram realizadas na última terça-feira (17/9). O resultado do pleito é que Netanyahu saiu enfraquecido: os resultados finais ainda não foram divulgados, mas com 95% das urnas apuradas até sexta feira (20), o principal adversário do premiê, o partido Azul e Branco (centro-esquerda), lidera as apurações e deve ficar com estimadas 33 cadeiras das 120 do Parlamento israelense — provavelmente duas cadeiras a mais do que o Likud.
Netanyahu admitiu na quinta-feira que teria dificuldades em formar uma coalizão de direita e, segundo a agência AFP, chamou Benny Gantz, líder do Azul e Branco, para um governo de unidade. Gantz respondeu que, nas atuais circunstâncias, ele próprio, e não Netanyahu, é quem deveria ser premiê.
Itália e Argentina
A possível troca de comando em Israel é uma entre outras dificuldades enfrentadas hoje por líderes internacionais de quem Bolsonaro se aproximou – na Itália, na Argentina e nos EUA.
Um desses aliados é o italiano Matteo Salvini, ex-vice-premiê que agradeceu publicamente o presidente brasileiro a extradição de Cesare Battisti e teceu elogios a Eduardo Bolsonaro por sua indicação à embaixada brasileira em Washington (ainda não oficializada).
Salvini, que ainda conta com grande popularidade na Itália, tinha pretensões de se tornar premiê quando rompeu, em agosto, com a coalizão que governava o país na época.
No entanto, um acordo firmado em 28 de agosto entre dois partidos italianos – o populista e anti-establishment Movimento Cinco Estrelas e o Partido Democrático, de centro-esquerda – manteve o premiê Giuseppe Conte no poder e frustrou, ao menos por enquanto, as pretensões de Salvini.
Na Argentina, o presidente Mauricio Macri se prepara para uma dura eleição presidencial em 27 de outubro.
Seu adversário, Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, venceu com vantagem contundente as eleições primárias de 11 de agosto: ficou 15 pontos percentuais à frente de Macri.
As pesquisas de opinião mais recentes publicadas na imprensa argentina apontam que parece pouco provável que Macri consiga reverter esse resultado.
Na época das primárias, o governo brasileiro fez duras críticas a Fernández. O chanceler Ernesto Araújo afirmou que o candidato é como uma “boneca russa”: “Há o Alberto Fernández, você abre e lá está Cristina Kirchner, você abre lá e está o Lula, e depois (Hugo) Chávez”, afirmou ao jornal argentino Clarín o chefe do Itamaraty. “Não temos ilusão de que esse kirchnerismo 2.0 seja diferente do kirchnerismo 1.0.”
Bolsonaro, por sua vez, pediu a empresários brasileiros reunidos em um congresso do aço que “colaborassem” com Macri. “Não estamos apoiando o Macri, só queremos que aquela velha esquerda não volte ao poder”, afirmou o presidente em 21 de agosto, segundo a Folha de S. Paulo. “E se o caminho for apoiar Macri, que seja o apoio ao Macri.”
No ano que vem, será a vez de outro aliado de Bolsonaro enfrentar as urnas: Donald Trump vai disputar com um democrata ainda indefinido sua permanência na Presidência dos EUA. O caminho para isso não vai ser necessariamente fácil, diante de recentes acusações publicadas pelo jornal The Washington Post.
Segundo um informante ouvido pelo jornal, um oficial de inteligência descobriu que Trump “pediu que a Ucrânia investigasse Joe Biden (principal pré-candidato democrata à Presidência) e seu filho (que é do conselho de uma empresa de gás ucraniana) em troca de ajuda militar americana”.
Trump chamou a notícia de “ridícula” e afirmou que suas conversas com líderes estrangeiros são sempre “totalmente apropriadas”.
A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, afirmou por sua vez que “se o presidente tiver feito o que foi alegado, está entrando em um perigoso campo minado com sérias repercussões para seu governo e nossa democracia”.
Política externa mais personalista?
Nem todos os governantes de quem Bolsonaro tem se aproximado enfrentam reveses. O nacionalista Viktor Orban se mantém forte na Hungria, há quase dez anos no poder; o presidente brasileiro também manteve conversas consideradas frutíferas com o chileno Sebastián Piñera e o esquerdista boliviano Evo Morales.
Mas os percalços das lideranças em Israel, Itália e potencialmente Argentina evidenciam um risco na diplomacia brasileira atual, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil: o de uma política externa aparentemente mais personalista.
“(Essa política) tem riscos claros”, avalia Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais na FGV-SP, destacando que pode haver dificuldade de diálogo se esses governos forem assumidos por líderes até agora na oposição. “Reveses eleitorais (dos aliados do governo brasileiro) podem afastar esses países.”
Casarões analisa que a estratégia de governo “tem a ver com a narrativa de combate ao globalismo, uma força meio intangível ligada ao que chamam de ‘marxismo cultural’, e a aproximação de uma onda de liderança nacionalista unida pela percepção de resgatar um tripé de valores” familiares, nacionalistas e religiosos.
“Esse combate ao globalismo é de líderes, e não propriamente de Estados”, prossegue o professor da FGV-SP.
“No caso de Mauricio Macri, porém, me parece mais (uma aproximação) pela agenda liberal econômica de ambos. Mas o governo tentou jogar o peso brasileiro no resultado da eleição argentina, algo que é visto com muita reticência na prática diplomática. Temos um comércio significativo com a Argentina e (questões de) integração regional. Se somos influentes lá, o contrário também vale para (o peso) deles aqui.”
Para Elaini da Silva, professora do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, mais do que uma política externa personalista, trata-se de uma aparente tentativa do governo brasileiro de agradar a própria base eleitoral conservadora e religiosa – por exemplo com a aproximação de Israel.
“Com Salvini e Netanyahu, não me parece ser um vínculo pessoal, mas sim a tomada de decisões para alinhar o Brasil a parceiros não por um projeto de país, mas de bases eleitorais”, opina.