A reforma da Previdência entra em sua reta final esta semana no Congresso Nacional. A votação do texto em primeiro turno pelo plenário do Senado deve começar na terça-feira (24/09).
Por ser uma tentativa de alteração da Constituição, o texto precisa ser aprovado duas vezes por ao menos 49 dos 81 senadores — e apenas a parte que passar com redação idêntica à aprovada pelos deputados em agosto entrará em vigor.
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A expectativa é que a proposta de emenda constitucional (PEC) ganhe o aval final dos senadores no dia 10 de outubro, o que faria com que servidores federais civis e trabalhadores da iniciativa privada atendidos pelo INSS passem, em média, a se aposentar mais tarde e com benefícios menores do que atualmente.
A medida visa a reduzir o crescimento dos gastos da União e, assim, equilibrar as contas públicas, no vermelho desde 2014. A reforma, no entanto, não vai resolver o rombo das contas de Estados e municípios, já que os deputados excluíram servidores estaduais e municipais das mudanças com medo de perder votos em seus redutos eleitorais.
Até o fim de outubro, o Senado deve aprovar também uma outra proposta, apelidada de PEC paralela, para facilitar a implementação da reforma da Previdência em Estados e municípios. O problema é que esse texto também teria que ser aprovado depois na Câmara, que tende a ficar ainda mais resistente às mudanças com a proximidade das eleições municipais — é comum que deputados tentem se eleger prefeitos ou apoiem aliados em suas cidades.
À BBC News Brasil, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) reconheceu a dificuldade pela frente: “Estamos reparando o equívoco da Câmara de ter excluído (Estados e municípios) e vamos fazer um trabalho com as lideranças da Câmara para que seja aprovado (depois pelos deputados). Se vai ou se não vai, a gente não sabe, mas no Senado vamos fazer nossa parte”, garantiu.
“Vai voltar para a Câmara e vai encontrar o mesmo Parlamento, e você tem uma interrogação: a Câmara vai mudar de posição? Eu que passei nas duas Casas como deputado federal e senador acho pouco provável uma mudança, ainda mais quando se aproxima de eleição municipal”, lamentou o governador do Piauí.
“Vamos chegar no próximo ano, de eleição nas prefeituras, e será ainda mais difícil aprovar a PEC paralela”, constatou também o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), em um evento em agosto promovido pelo Santander.
Seu Estado tem a pior situação do país e deve fechar 2019 com rombo previdenciário de R$ 12 bilhões. Segundo um levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o Rio Grande do Sul destinou 40% da sua arrecadação (Receita Corrente Líquida) para cobrir o rombo da Previdência em 2016. Logo atrás, vem Minas Gerais, que comprometeu 28% da receita com o rombo previdenciário, seguidos por São Paulo, com 25%, e Rio de Janeiro (RJ), com 21%.
Rombo crescente
Um relatório de junho da Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado especializado em contas públicas, destaca que apenas os quatro Estados de criação mais recente (Roraima, Rondônia, Tocantins e Amapá) apresentam hoje uma situação confortável nas suas contas previdenciárias. No entanto, devido ao envelhecimento da população, todas as 27 unidades federativas têm um futuro preocupante pela frente, caso não mudem suas regras de aposentadoria, destaca o documento.
Segundo a IFI, o déficit do conjunto em 2015 era de, R$ 77,4 bilhões, uma alta de 50% em dez anos. Já o déficit atuarial (insuficiência de recursos para cobrir os compromissos dos planos de aposentadoria no futuro) somado dos Estados era de R$ 5,2 trilhões em 2017, o equivalente a 8,6 vezes a Receita Corrente Líquida total das 27 unidades federativas. Para chegar ao número, o economista Josué Pellegrini, autor do relatório, considerou os “compromissos atuais e futuros junto aos segurados, bem como as contribuições e os ativos previdenciários”.
Além do envelhecimento da população, que faz com que os servidores recebam por mais tempo a aposentadoria, a alta dos rombos estaduais reflete o aumento dos salários dados aos servidores, que impacta também os benefícios pagos aos inativos, explica o relatório da IFI.
Economistas defensores da reforma dizem que esse cenário vem obrigando os governos a cortar outros gastos essenciais.
“Em última análise, o sacrifício maior (da despesa crescente com Previdência) será da população de baixa renda, que depende mais diretamente dos serviços públicos de educação, saúde e segurança pública. O colapso desses serviços, que já está ocorrendo em vários Estados, como o Rio de Janeiro, é apenas o começo do que está por vir se nada for feito, e rápido”, afirma o economista Fernando Veloso, pesquisador do Ibre/FGV, em um artigo recente.
O que prevê a PEC paralela
A proposta paralela não inclui Estados e municípios automaticamente nas novas regras que devem ser aprovadas para servidores civis da União e trabalhadores atendidos pelo INSS.
O que ela prevê é que os Estados possam aderir ao novo regime — exatamente com as mesmas regras, sem margem para alterações — com a aprovação de uma lei nas assembleias legislativas por maioria simples de votos.
Sem a aprovação dessa PEC, Estados e municípios (são mais de 2 mil com regimes próprios de Previdência) terão, em geral, um caminho mais tortuoso para mexer em suas regras de aposentadoria: um pacote envolvendo aprovação de lei ordinária, lei complementar e emenda à Constituição estadual/municipal.
A PEC paralela também estabelece que todos os municípios de um Estado ficam submetidos ao novo regime caso a Assembleia Estadual aprove a mudança, a não ser que aprovem uma lei se descompatibilizando do novo regime no prazo de um ano.
O governo do Rio de Janeiro mostra pessimismo com o andamento de reformas independentes nos Estados.
“Se não houver algo determinado pela PEC, acredito que nenhum governador vai fazer reforma, já que são poucos os que têm maioria na Assembleia”, disse ao jornal Folha de S.Paulo Sérgio Aureliano, presidente do Rioprevidência, destacando ainda a forte influência de militares, bombeiros, professores sobre os deputados estaduais.
Alguns governadores, porém, já afirmaram que farão suas reformas próprias, como Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraná e Maranhão.
“Eu, particularmente, e outros Estados não vamos aguardar a tramitação da PEC paralela para encaminharmos às assembleias os projetos de lei necessários à adequação dos Estados e municípios também ao novo sistema constitucional”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino, em entrevista recente à Rede Bandeirantes.
“Porque nós não podemos, numa federação, de 5.570 municípios, achar que é razoável haver a convivência de milhares de regimes previdenciários distintos. Isso é uma brutal insegurança jurídica. Então, o sentido geral é de congruência”, disse ainda, ressalvando que não pretende adotar mudanças no pagamento de pensões a viúvas e órfãos.
Oposição tentará suavizar a reforma principal
A PEC 06, aquela já aprovada na Câmara e que altera o regime do servidores federais civis e dos trabalhadores do setor privado, deve ser submetida à votação na Comissão de Constituição de Justiça do Senado nesta terça-feira (24/09). Depois disso, a previsão é que no mesmo dia seja apreciada no plenário.
A oposição reconhece que a proposta deve ser aprovada, mas apresentará destaques tentando suavizar as mudanças. O texto original enviado ao Congresso pelo governo já sofreu alterações do tipo na Câmara.
Entre as mudanças que a oposição tentará aprovar no Senado estãp as pensões com valor abaixo de um salário mínimo. A PEC 06 prevê essa possibilidade quando o pensionista tiver já alguma outra renda formal.
Os opositores também tentarão derrubar restrições ao abono salarial, benefício atualmente pago a quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1.996) e tem pelo menos 5 anos de cadastro no PIS/Pasep. O texto da reforma assegura o direito apenas a quem tiver renda mensal igual ou menor que R$ 1.364,43.
“Claro, a gente sabe que a possibilidade de aprovar a peça principal é grande, mas vamos trabalhar com os destaques, conversar com os senadores”, disse à BBC News Brasil o senador Paulo Paim (PT-RS).
Militares terão outras regras
O governo vai trabalhar para impedir mais mudanças no texto da PEC, porque elas tendem a reduzir a economia prevista para a União com a reforma. A meta do ministro da Economia, Paulo Guedes, era gerar ganhos de R$ 1 trilhão em dez anos com o novo regime. No entanto, a Instituição Fiscal Independente projeta que o texto aprovado na Câmara geraria uma economia de R$ 870 bilhões.
Uma mudança importante que atingirá a maior parte da população é a criação de idades mínimas para aposentadoria. A proposta prevê que a maioria dos trabalhadores do Brasil, tanto na iniciativa privada como no serviço público federal, precisará trabalhar até 62 anos, caso mulher, e até 65 anos, caso homem. Há regras diferenciadas para algumas categorias, como policiais e professores.
A fixação de idade mínima atinge principalmente pessoas de maior renda, que hoje conseguem se aposentar por tempo de contribuição, abaixo de 60 anos.
Além disso, a reforma mantém o piso das aposentadorias em um salário mínimo e dificulta a obtenção valores mais altos, ao mudar o cálculo dos benefícios.
No caso das Forças Armadas, o governo tenta mudar o regime de aposentadoria por meio de um projeto de lei, que está sendo analisado por uma comissão especial na Câmara. Ele prevê que o tempo mínimo de serviço para ingressar na reserva passará de 30 anos para 35 anos, sem estabelecer idade mínima. Isso deve manter a maioria dos militares se aposentando com menos de 55 anos.
A proposta também preserva os benefícios de paridade (continuar recebendo na reserva os aumentos de remuneração concedidos aos que estão na ativa) e integralidade (se aposentar pelo último salário), no que é apontado como um grande privilégio que está sendo mantido para a carreira militar. As Forças Armadas justificam essa diferença dizendo que os militares não se aposentam, mas passam para a reserva, podendo ser convocados. Na prática, porém, um percentual mínimo volta a trabalhar após sair da ativa.