A cheia deste mês de março de 2020 alenta um período dramático do Velho Chico. Nesta década que termina, o Rio da Integração Nacional registrou suas piores secas, com consequências drásticas para a fauna, flora e populações ribeirinhas.
Neste período de poucas chuvas, os peixes desapareceram e a navegação ficou totalmente inviabilizada pela formação dos extensos bancos de areia no leito do rio. A geração de energia elétrica nas hidroelétricas também precisou ser diminuída nos meses mais secos destes anos.
Mesmo degradado e assoreado, o rio São Francisco voltou a mostrar imponência após esse período em que pareceu estar morto. Com a cheia, as lagoas e alagadiços das margens voltaram a receber as águas depois de oito anos praticamente secos, renovando a esperança de fartura de peixes e da colheita nas várzeas cultiváveis.
Nesta quinta-feira (12), o nível do rio na cidade de Malhada, na Bahia, chegou a 6,97 metros, apenas 10 centímetros a menos do que o registrado na cheia de 2012, última vez que o São Francisco abasteceu as lagoas do município. Em Janeiro deste ano, após as chuvas intensas na região central de Minas Gerais, o nível do rio chegou a 6,02 metros na cidade.
Segundo José Castor, secretário de Agricultura e Meio de Malhada, o aumento do nível legou água para as áreas alagadas às margens do rio e deve chegar nas lagoas do município nos próximos dias.
Desta vez, a cheia foi causada principalmente pela abertura das comportas da Usina Hidroelétrica de Três Marias, após chuvas intensas nas cabeceiras do rio, e também pelas chuvas expressivas que caíram sobre o Norte de Minas.
A previsão é de que o nível suba mais alguns centímetros e se mantenha nesse patamar nos próximos quatro ou cinco dias no município. Após este período, as águas começarão a baixar novamente.
A conclusão é baseada nos dados telemétricos disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH), por meio da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN).
Os dados apontam que o nível do rio começou a cair no início da semana nas cidades do Norte de Minas. Em São Romão, o pico de cheia ocorreu na segunda-feira (9) e o volume de água começou a diminuir na quarta-feira (11). O nível máximo chegou a 8,41 metros na cidade.
Na Usina Hidroelétrica de Três Marias a vazão já diminuiu pela metade nos últimos sete dias. O vertimento iniciado em 28 de fevereiro foi ampliado em 5 de março, chegando a mais de 2 mil metros cúbicos por segundo. Desde o fim de semana, a Cemig, operadora da usina, começou a diminuir a vazão e deve fechar as comportas até esta sexta-feira (13).
O nível do reservatório de Três Marias estabilizou e permanece com quase 96% do volume útil ocupado.
O outro reservatório do rio, da Hidroelétrica de Sobradinho, atingiu 56,06% de sua capacidade, com tendência de crescimento nos próximos dias devido à chegada das águas de Três Marias e das chuvas sobre a bacia.
O reservatório da Hidroelétrica Luiz Gonzaga (Itaparica), também na Bahia, está em 38,72% de seu volume.
Piores secas do rio São Francisco
Segundos dados históricos da Agência Nacional de Águas (ANA), as piores historicamente registradas ocorreram de 2014 a 2018.
Na estão fluviométrica instalada em Carinhanha (BA), logo após a divisa com Minas Gerais, os dados são coletados pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) desde 1927.
Das dez piores secas registradas, cinco ocorreram nos últimos 10 anos, entre 2014 e 2018. Outros três anos de grande seca foram registrados na década de 50 (1954, 1955, 1959), uma na década de 30 (1932) e outra na década de 70 (1971).
Nesses mais de 90 anos de registros, o dia 24 de outubro de 2014 foi o dia em que passou menos água pelo rio. A vazão mínima registrada foi de apenas 233,451 m³/s. Neste mesmo dia, o nível do rio entre Malhada e Carinhanha foi de apenas 0,47 metros.
Foi nesta época que a principal nascente do rio, localiza na Serra da Canastra, em Minas Gerais, secou completamente.
O lago da Usina de Três Marias chegou a possuir apenas 2,58% do seu volume nessa época. Já em Sobradinho, na Bahia, chegou ao seu pior nível no final de 2015, apenas 1,03% de volume útil.
A seca se estendeu pelos anos de 2015 e 2016, com novos picos de baixa principalmente no ano de 2017. Neste período, a navegação que ainda existia no rio foi praticamente toda suspensa. Algumas cidades ribeirinhas chegaram a fica isoladas devido á dificuldade enfrentada pelas balsas para fazer a travessia.
A lagoa de Itaparica, em Xique-Xique (BA), maior lagoa das margens do rio, secou completamente em 2017, causando a mortalidade de milhares de peixes.
Somente em 2019, o nível do rio começou a se recuperar, até atingir cheia novamente em 2020.
Maiores Cheias do Rio São Francisco
A cheia de 1979 é a maior já registrada desde 1501, quando o navio de Américo Vespúcio chegava à foz do rio pela primeira vez. Esse ano foi marcado por grandes enchentes e inundações em vários municípios da bacia.
Naquele histórico mês de janeiro, o nível do rio em Carinhanha chegou a surpreendentes 9,83 metros, quase três metros a mais do que o registrado nesta quinta-feira.
Outra grande cheia no Velho Chico foi registrada em 1992, outro ano de grandes enchentes na Bahia e em áreas do Sudeste do brasileiro. Na ocasião o rio subiu 9,41 metros na mesma estação fluviométrica.
Outras grandes cheias ocorreram em 1949, 1946, 1943 e 1983. Nos últimos 20 anos, as maiores cheias ocorreram em 2007, 2012, 2006 e agora em 2020.
Tiago Marques / Agência Sertão