Uma reportagem exibida no Jornal Hoje, da Rede Globo, na tarde desta sexta-feira, 1º de novembro, repercutiu o estudo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que apontou uma redução de cerca de 60% na vazão do Rio São Francisco ao longo dos últimos 30 anos.
O levantamento, conduzido pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Ufal, foi publicado em agosto no periódico internacional Water, e traz uma análise profunda sobre o impacto das mudanças climáticas e da degradação ambiental na bacia hidrográfica do rio, considerada a terceira maior do país.
De acordo com o estudo, a vazão média anual na região centro-norte da bacia do São Francisco caiu de 1.500 m³/s para 550 m³/s, uma redução significativa que acompanha também a perda de 15% da cobertura vegetal entre 2012 e 2020.
Durante esse período, uma das secas mais severas na história da região foi registrada, intensificando o impacto sobre a vazão do rio.
A reportagem destaca a degradação da bacia, como o desmatamento das matas ciliares e outras atividades humanas que contribuem para o assoreamento do Velho Chico, dificultando a pesca, captação de água e navegação.
secas-relâmpago
O estudo destaca que a diminuição no volume de água no São Francisco está diretamente ligada à ocorrência cada vez mais frequente de secas-relâmpago, eventos extremos que combinam queda brusca na precipitação com temperaturas elevadas, secando rapidamente o solo e intensificando a evaporação nos corpos d’água.
Esses eventos extremos, conhecidos em inglês como flash drought, têm ocorrido com maior frequência desde 1991 e representam um tipo de seca mais rápido e intenso em comparação com secas tradicionais, que se agravam de forma progressiva.
Outro ponto crucial da pesquisa foi a constatação de que as altas temperaturas durante os eventos de seca-relâmpago foram fundamentais para a redução da vazão do São Francisco.
O meteorologista Humberto Barbosa, responsável pelo estudo, explicou que o aumento da temperatura intensifica a evapotranspiração, ou seja, o uso diário de água pelas plantas, e a evaporação direta dos corpos d’água. “À medida que o clima fica mais quente, a atmosfera retira mais água dos solos e rios, reduzindo drasticamente a quantidade de água que flui para o São Francisco”, aponta Barbosa.
Mudanças na distribuição das secas
O estudo da Ufal mapeou os eventos de seca-relâmpago na bacia entre 1991 e 2020 e concluiu que o centro-norte da bacia é a região mais afetada, com secas de maior duração e intensidade. Em contrapartida, no centro-sul da bacia, embora esses eventos tenham sido menos frequentes, a intensidade foi superior à registrada em outras áreas.
O evento mais grave ocorreu entre 2012 e 2013, com duração de 21 meses e impacto severo em toda a bacia do São Francisco, levando a uma queda de 30-60% na precipitação média.
Risco de intensificação e expansão das secas
Os resultados da pesquisa indicam que, sem ações de mitigação para conter a degradação ambiental, o encolhimento do São Francisco tende a se agravar. O meteorologista Humberto Barbosa adverte que, ao ignorar as medidas de combate aos eventos climáticos extremos e à degradação do solo, o risco é que o rio continue a secar, com expansão dos eventos para outras regiões, como o Médio e Alto São Francisco.
O estudo utilizou uma abordagem inovadora com o uso do Índice Padronizado de Evapotranspiração da Precipitação Antecedente (Sapei), que permite avaliar a influência de condições climáticas extremas na vazão dos rios. A pesquisa também integrou dados de satélite do sistema EumetCast e informações da Agência Nacional de Águas (ANA), que documentam a precipitação, temperatura e vazão na bacia do São Francisco ao longo de três décadas.
De acordo com o Lapis/Ufal, o estudo é um alerta sobre a vulnerabilidade do Rio São Francisco frente à mudança climática e à degradação ambiental. Ele reforça a importância de ações efetivas para preservar o que ainda resta do rio da integração nacional, vital para 504 municípios e mais de 2,7 mil km de extensão.