A histórica canoa de tolda Luzitânia, símbolo da navegação no rio São Francisco, enfrenta uma crise de conservação enquanto aguarda reparos para evitar sua completa degradação.
A embarcação, construída em 1925 e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2012, está atualmente atracada em Traipu, Alagoas, e em condições precárias após ter naufragado em 2022.
A canoa, também conhecida como “canoa sergipana,” é um dos últimos exemplares de um modelo de embarcação que impulsionou a economia do São Francisco, transportando cargas entre o sertão nordestino e a foz do rio. Operada pela Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda desde 1999, a Luzitânia foi utilizada no passado até pelo cangaceiro Lampião para viagens na região.
A Luzitânia naufragou em janeiro de 2022, quando estava em manutenção em Pão de Açúcar, Alagoas. Após intensas cheias que inundaram a bacia do São Francisco, a embarcação foi tomada pelas águas.
A Sociedade Canoa de Tolda solicitou ao Iphan ajuda financeira para evitar o naufrágio, mas o apoio só chegou após a judicialização do caso. Em março de 2022, o Iphan assumiu a guarda da embarcação.
A embarcação encontra-se em avançado estado de degradação. De acordo com Carlos Ribeiro Junior, presidente da Sociedade Canoa de Tolda, a canoa “está danificada, cozinhando no calor,” sem perspectiva de início dos reparos.
A entidade afirma que o Iphan não cumpriu prazos estabelecidos em audiência judicial, onde foi determinado que o translado da canoa para Penedo, Alagoas, ocorresse em até 90 dias para dar início à restauração.
Plano de reparo e preservação cultural
A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) construirá um estaleiro em Penedo, onde a recuperação da canoa será realizada. A restauração está orçada em R$ 500 mil, com um prazo de 10 a 12 meses após o início das obras. A
lém da restauração da Luzitânia, o plano da Ufal visa criar um núcleo de tecnologias aquáticas em Penedo, com foco na preservação e desenvolvimento de embarcações sustentáveis.
Igor da Mata Oliveira, professor da Ufal, destacou a importância do projeto para a cultura local: “Queremos que esse seja um espaço de preservação e desenvolvimento de embarcações sustentáveis,” afirmou.
O núcleo de tecnologias aquáticas também prevê a confecção de réplicas de embarcações tradicionais e a produção de um documentário sobre a Luzitânia.
Importância histórica e risco de extinção
A Luzitânia representa um marco cultural e histórico para o São Francisco, sendo um dos poucos exemplares sobreviventes das canoas de tolda. Essas embarcações tradicionais foram substituídas ao longo dos anos por barcos a motor e transportes rodoviários, em parte devido à construção de barragens e hidrelétricas que alteraram o curso do rio.
Preservar a Luzitânia é considerado um esforço essencial para manter viva a memória do São Francisco e das tradições locais.
O ex-superintendente regional do Iphan, Dalmo Vieira Filho, enfatizou a relevância das embarcações tradicionais no Brasil, afirmando que o desaparecimento da Luzitânia seria uma “amputação cultural.”
A Sociedade Canoa de Tolda acusa o Iphan de negligência com o patrimônio naval e de descumprimento de promessas de preservação. Em ofício recente ao Ministério da Cultura e ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a entidade questionou o uso dos recursos destinados à preservação, afirmando que o Iphan já alocou mais de R$ 37 milhões para outros bens patrimoniais desde 2022.
O Iphan, por sua vez, afirma que enfrenta dificuldades logísticas para o translado da canoa, mas que está finalizando a contratação de uma empresa para transportar a embarcação por via terrestre. A previsão é de que o translado e os reparos estejam concluídos em até 24 meses.
Memória naval ameaçada
A canoa Luzitânia é um testemunho da diversidade e riqueza do patrimônio naval brasileiro, em risco devido à falta de apoio e preservação. Embarcações tradicionais, como as canoas de tolda, as jangadas do Nordeste e os saveiros da Bahia, têm gradualmente desaparecido da paisagem cultural brasileira. No Brasil, apenas quatro embarcações tradicionais são tombadas como patrimônio.
De acordo com a Sociedade Canoa de Tolda, a recuperação da Luzitânia é vista como um esforço de resgate cultural, com a expectativa de que a canoa possa retornar à navegação e servir como peça central de um museu em Penedo, onde a história da navegação tradicional do São Francisco poderá ser contada às futuras gerações.
Em Minas Gerais, outra embarcação icônica do Rio São Francisco também esteve ameaçada. Trata-se do Vapor Benjamim Guimarães, que agora deve ser restaurado após uma acordo com Eletrobras. A previsão é de que os serviços sejam concluídos em 2025 para que o vapor volte ao Velho Chico.
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