Pesquisa com bactérias na Amazônia pode desenvolver novos medicamentos

*Por Agência Brasil 

Parte da pesquisa de ponta em fármacos no Brasil se faz levando amostras de solo de Belém (PA) para um complexo de laboratórios maior que um estádio de futebol em Campinas, no interior paulista. Toda essa viagem é para colocar seres microscópicos no que é, grosso modo, o maior microscópio da América do Sul, o acelerador Sirius, parte do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Com essa ferramenta, é possível entender como funcionam os genes das bactérias e quais substâncias elas conseguem criar. As equipes envolvidas buscam substâncias com potencial antibiótico e antitumoral, e os primeiros resultados foram publicados em dezembro em uma revista especializada internacional.

O motivo dessa viagem do solo amazônico é a parceria entre o CNPEM e a Universidade Federal do Pará (UFPA). O trabalho de campo começou recolhendo amostras de solo dos interiores do Parque Estadual do Utinga, reserva de conservação constituída em 1993 e que conta com áreas restauradas e áreas sem intervenção humana recente. O grupo investigou três espécies bacterianas das classes Actinomycetes e Bacilli, isoladas de solo da Amazônia, compreendendo bactérias do gênero Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus.

O passo seguinte se deu quando os pesquisadores do laboratório EngBio, da UFPA, liderados por Diego Assis das Graças, usaram o sequenciador PromethION, da Oxford Nanopore (Reino Unido). “Essa tecnologia se destaca por gerar leituras de alta qualidade, permitindo o sequenciamento de genomas complexos com alta produção de dados e baixo custo. A tecnologia de sequenciamento baseada em nanoporos permite a análise em tempo real e a leitura direta de DNA, além de ser portátil e flexível para aplicações em laboratório e campo”, explicou Diego, um dos autores do primeiro artigo derivado dessa fase da pesquisa.

Com esse sequenciamento, foi possível olhar para os genes e entender como eles atuam na construção de enzimas e nas vias que tornam as moléculas mais complexas. Metade delas era desconhecida. “Estas moléculas são o foco dos nossos estudos, pois têm grande importância para desenvolvimento de fármacos e medicamentos. Por exemplo, mais de 2/3 (dois terços) de todos os fármacos já desenvolvidos no mundo têm origem em moléculas pequenas naturais, os metabólitos secundários ou metabólitos especializados”, explicou a pesquisadora Daniela Trivella, coordenadora de Descoberta de Fármacos do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências).

A análise dos dados foi feita também no LNBio e utilizou o Sirius. Esse sequenciamento é muito mais acessível em termos de custos e tempo do que há uma ou duas décadas. Com isso, é possível analisar o que Trivella explicou serem bactérias “selvagens”, ou seja, aquelas encontradas na natureza. A estimativa atual é que menos de 1 em cada 10 espécies de bactérias selvagens sejam cultiváveis em laboratório, e quando o são, menos de 10% dos genes que carregam são expressos. Assim, métodos de ponta são cruciais. “Existem muitas bactérias que ainda não conhecemos e muitos produtos naturais que não conseguíamos produzir em laboratório, ou os produzíamos em baixíssimo rendimento”, completou Daniela.

Em resumo, o local de pesquisa é fundamental. “Os agrupamentos de genes biossintéticos são responsáveis pela produção de substâncias com potencial biológico, como medicamentos. Mesmo em organismos já estudados, como as bactérias do gênero Streptomyces, vimos que ainda há muitas substâncias desconhecidas nos exemplares isolados do solo da Amazônia. Isso mostra como o ecossistema é essencial para novas descobertas. A Amazônia, nesse sentido, continua sendo uma área rica e pouco explorada para desenvolver novos produtos” disse em nota Rafael Baraúna, pesquisador do EngBio-UFPA, que coordenou o trabalho pela universidade.

O passo final foi levar a produção para uma escala laboratorial. Entendendo quais genes produzem cada substância, com uma técnica avançada chamada metabologenômica, os pesquisadores “convenceram” bactérias domésticas de laboratório a aceitarem os genes e produzirem as substâncias em quantidades utilizáveis para testes. “Com o DNA codificante alvo, a bactéria domesticada passa a produzir o metabólito de interesse, pois recebeu a sequência que vimos na floresta. Assim, temos acesso a esta molécula para desenvolver novos fármacos a partir dela”, explicou Trivella. Isso proporciona acesso a novas moléculas por meio de uma rota biotecnológica.

Esse conjunto de testes não se limita a uma ou duas moléculas. O LNBio, com todo o suporte do CNPEN, pode realizar até 10 mil testes em um único dia. Essa velocidade é essencial para competir com a devastação crescente. Em 2024, foi registrado o maior número de queimadas e incêndios na Amazônia nos últimos 17 anos. Para fortalecer o trabalho científico na região, os investimentos para pesquisas no bioma estão previstos em cerca de R$ 500 milhões nesta década, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O desenvolvimento de moléculas para tratar infecções e tumores tem potencial de retorno superior aos investimentos. “Todos estes métodos estão condensados na Plataforma de Descoberta de Fármacos LNBio-CNPEM”, ressalta Trivella. Esta plataforma cobre desde a criação de bibliotecas químicas até a obtenção de uma molécula protótipo, que passa pelas etapas regulatórias antes da produção industrial e uso clínico. A próxima etapa levará os pesquisadores à Amazônia oriental, prometendo mais avanços.

Esse esforço integra projetos nacionais como o Pró-Amazônia, que busca avanço sustentável para a região dentro da chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 19/2024. A UFPA, com o suporte do CNPEM, também trabalha no estabelecimento de um centro de pesquisa multiusuário, fortalecendo a integração entre biotecnologia e preservação ambiental na Amazônia.

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