O Rio São Francisco, um dos mais importantes mananciais do Brasil, registrou uma alarmante redução de 50% em sua vazão mínima de segurança em Minas Gerais entre 1985 e 2022.
A bacia, que teve sua vazão mínima de segurança diminuída de 823 m³/s para 414 m³/s, é a que mais secou no Cerrado, bioma que, de modo geral, perdeu 27% da água de suas seis principais bacias no mesmo período. Desde 1970, os rios do Cerrado brasileiro já perderam 27% de sua vazão de água.
Conhecido como o “berço das águas”, o Cerrado é crucial para o abastecimento hídrico nacional, ocupando um quarto do território e sendo responsável por suprir oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras. Mais de 90% das águas que correm pelo Rio São Francisco vêm do Cerrado, que também abastece quase 50% da bacia do Paraná, essencial para a geração de energia elétrica.
A diminuição da vazão do Rio São Francisco e de outros rios do Cerrado está diretamente ligada a uma combinação de fatores, incluindo o regime de chuvas decrescente, o desmatamento de matas nativas e a ampliação do uso da água.
Entre 1985 e 2022, a vegetação nativa do Cerrado sofreu uma redução de 22%, enquanto a área destinada à produção de soja cresceu quase 20 vezes. As chuvas, por sua vez, encolheram 21% no bioma como um todo e 28% especificamente na bacia do São Francisco, onde a área de produção de soja disparou 7.082%. A evapotranspiração – o volume total de umidade transferido do solo e vegetação para a atmosfera – aumentou 8% no Cerrado e 11% na bacia do São Francisco.
O geógrafo e doutor em Ciências Florestais pela Universidade de Brasília (UnB), Yuri Salmona, destaca que 56% da água já perdida foi devido ao desmatamento e mudança do solo, e 44% pelas mudanças climáticas. Ele ressalta a ligação direta entre a falta de água e a queda de safra com o desmatamento do Cerrado.
O cenário de degradação já foi denunciado em reportagens como a série “Veredas mortas”, que mostrou “buritis tombados… solos, antes porosos e férteis em água, agora ressequidos, cimentados sob pisoteio do gado”.
Além da expansão agrícola e da seca, obras como a transposição do Rio São Francisco e a construção de hidrelétricas também exercem pressão sobre o manancial, cujo controle da vazão para gerar energia leva, por exemplo, ao avanço da água do mar na foz.
A poluição, com altas concentrações de fósforo e manganês, proveniente de agrotóxicos, esgoto, mineração e fertilizantes, agrava a situação. O Rio das Velhas, um importante tributário do São Francisco, é o mais poluído da bacia, com mais de 50% das amostras coletadas entre 2019 e 2024 excedendo os limites de tolerância, enquanto o próprio São Francisco apresentou violações em 38,1% das amostras.
A perda de vegetação nativa no Cerrado diminui a infiltração de água no solo e o reabastecimento dos aquíferos, essenciais para a vazão dos rios em períodos de seca. O desmatamento também contribuiu para a formação de uma “bolha de ar quente no Planalto Central, impedindo a entrada adequada dos rios voadores da Amazônia”, fator que intensificou desastres climáticos, como as chuvas concentradas no Rio Grande do Sul em 2024.
Medidas Urgentes e a Importância da Preservação
Os dados apresentados fazem parte do projeto “Cerrado – O Elo Sagrado das Águas do Brasil”, lançado pela organização de jornalismo investigativo Ambiental Media. O estudo utilizou dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do MapBiomas para analisar as tendências de degradação hídrica.
Diante deste cenário crítico, o estudo e reportagens associadas recomendam medidas urgentes. É fundamental definir as Áreas Prioritárias para Conservação de Água do Cerrado. Outras sugestões incluem a implementação de uma legislação de uso do solo equivalente à da Amazônia, um Cadastro Ambiental Rural (CAR) com reservas legais ampliadas em bacias ameaçadas, maior rigor nas autorizações para desmatamento legal, e a implementação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
É também crucial fomentar cadeias produtivas locais com desmatamento zero, incentivar a recuperação de nascentes e matas ciliares, e regulamentar mais rigorosamente a expansão da soja e outras monoculturas em áreas de recarga hídrica. O estabelecimento de novas unidades de conservação nas bacias mais impactadas, o monitoramento contínuo e transparente dos recursos hídricos, e o estímulo à adoção de sistemas agroflorestais são igualmente importantes.
A preservação do Cerrado e de suas águas é essencial não apenas para ambientalistas, mas para economistas e gestores, pois a sua degradação impacta diretamente a produtividade agrícola, encarece alimentos, leva ao racionamento de água e intensifica conflitos rurais. Especialistas alertam que, sem medidas para conter o desmatamento e promover práticas agrícolas sustentáveis, a situação pode se agravar, comprometendo a segurança hídrica do Brasil e a qualidade de vida das futuras gerações.