O assassinato de um ente querido é apenas uma das dores enfrentadas pelas famílias das vítimas de chacinas. Além do luto, elas precisam lidar com a demora do Judiciário nos processos de indenização, responsabilização e criminalização, o que muitas vezes resulta em empobrecimento ou adoecimento.
De acordo com a Agência Brasil, as famílias da Chacina de Osasco, Itapevi e Barueri, que resultou na morte de 19 pessoas há dez anos, ainda enfrentam dificuldades para receber indenizações. Muitas dessas famílias, incluindo a de Zilda Maria de Jesus, mãe de Fernando Luiz de Paula, assassinado em Barueri, não foram indenizadas após o crime cometido por policiais militares.
Dona Zilda, sem receber indenização, ainda enfrentou acusações dos advogados dos réus durante o julgamento criminal. “A gente não tem nem direito de guardar o luto”, disse ela à reportagem. “Eu já estou morta, filha”, completou, ao falar sobre a perda do filho e o desgaste do processo de luto e busca por justiça.
Carla Osmo, professora da Unifesp, destaca os múltiplos impactos e violências sofridos pelas famílias, além da perda do familiar. “Essas vítimas deixaram mães, pais, companheiros, filhos. E essas famílias sofreram empobrecimento e adoecimentos graves”, observa. Carla coordena o projeto Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, que apoia a luta das mães das vítimas e desenvolve pesquisas sobre a violência de Estado.
Outro fator que contribui para esses impactos é a demora nos processos judiciais. “A demora gera bastante frustração porque as pessoas ficam exaustas”, diz Carla Osmo. “Todo o processo é muito violento, muito desgastante, inclusive a demora [do Judiciário].”
Além disso, as famílias sofrem estigmatização por terem um membro morto por um policial. “Há o medo da polícia e o sentimento de que a vida não tem valor ou de que o Estado não dá importância”, explica Carla.
Responsabilização do Estado
Muitas famílias buscam na Justiça o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes. “Não são apenas os agentes individuais que foram condenados que tiveram responsabilidade. O Estado tem responsabilidade institucional pela chacina”, afirma Carla.
As famílias entram com processos individuais, seja por meio de advogados ou da Defensoria Pública. Atualmente, há 16 processos relacionados à chacina tramitando em âmbito civil. Dez foram movidos por parentes das vítimas e um por um sobrevivente. Cinco processos tramitam em segredo de Justiça.
Entre os processos não sigilosos, apenas dois chegaram à fase de execução, mas sem que as indenizações tenham sido pagas. “Esses processos continuam tramitando com uma morosidade imensa”, afirma Carla.
A Clínica de Direitos Humanos da Unifesp aponta que o Estado contesta as decisões, aumentando o tempo para ressarcimento. “A advocacia do Estado contesta as demandas das famílias, trazendo uma excessiva exigência de provas”, explica Carla Osmo.
Passados dez anos, Carla Osmo diz que a sensação para as famílias é de que a violência continua se perpetuando. “Esse não responder é muito violento”, diz a professora. “A angústia da espera gera sofrimento, mas a atualidade do sofrimento faz parecer que a violência da morte aconteceu agora.”
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que o inquérito policial foi concluído em dezembro do mesmo ano, com a identificação e indiciamento de oito pessoas. Todos os PMs envolvidos foram expulsos da corporação. O governo paulista não comentou o episódio e as indenizações até o momento.