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A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos está preparando a exumação dos restos mortais de João Leonardo da Silva Rocha, ex-militante da luta armada que integrou a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o Molipo (Movimento de Libertação Popular), executado em 1975 e enterrado com nomes falso no Cemitério de Palmas de Monte Alto, no Sul da Bahia, a 865 quilômetros de Salvador, região conhecida como Sertão do Pajeú, no semiárido nordestino.
A identificação e localização da sepultura onde João Leonardo está enterrado são considerados assuntos já resolvidos depois de cinco anos de buscas. Assim que a exumação for consumada, a Comissão, que é vinculada à SDH (Secretaria Especial de Direitos Humanos) da Presidência da República, encaminhará os ossos para o laboratório que fará a retirada de DNA e o confronto com dados genéticos de familiares. Um irmão de João Leonardo, Mário Rocha Filho, já forneceu amostras de sangue.
A mobilização de peritos e a escolha do local onde os restos serão depositados – Brasília ou São Paulo – serão providenciados assim que a Comissão conseguir um acordo administrativo com a Prefeitura do município. Caso encontre dificuldades, será requisitada, então, uma ordem judicial para fazer a exumação.
Até chegar à sepultura onde João Leonardo está enterrado, o Coordenador-Geral do Projeto Memória e a Verdade da SDH, Ivan Seixas, jornalista e ex-preso político que se dedica a investigar o paradeiro de desaparecidos políticos nos anos de chumbo, ouviu testemunhas que conviveram com o militante, fez pesquisas em cartórios, arquivos públicos e conseguiu identificar o militante desaparecido e localizar sua cova.
“João Leonardo foi enterrado com nome falso de José Eduardo da Costa Lourenço, por ele adotado para tentar se proteger diante da intensa perseguição a que se tornou alvo”, diz Seixas. Dois personagens foram fundamentais para elucidar o caso: o pedreiro Almerindo Porto Lopes, conhecido por Nélio, que ajudou a enterrar o corpo, e o agricultor conhecido por Jerônimo, o único que sabia que João Leonardo pertencia ao Molipo, usava nome falso e, apesar de ter sempre a polícia no seu encalço, tentava organizar a resistência ao regime.
Um advogado da cidade, João Arcanjo Montalvão Filho, também colaborou, fornecendo informações que apurou junto a outras testemunhas que assistiram o tiroteio em que João Leonardo foi morto e, depois, ao sepultamento.
Segundo essas testemunhas, João Leonardo está enterrado debaixo do corpo de outro morador de Palmas de Monte Alto, Natalino Pereira, numa cova contígua onde estariam outros quatro ossadas, todas sepultadas em sobreposição, uma prática no pequeno cemitério de cerca de 100 metros quadrados.
Vala de Perus
Pela fartura de evidências, a identificação plena é prioridade em 2016 e deverá se somar ao esforço para o esclarecimento de pelo menos outros 40 casos de desaparecidos cuja identificação está em fase de investigação. A maioria das ossadas foi retirada de uma vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo.
“Estamos seguindo pista por pista. No caso de João Leonardo, como as evidências são mais claras, temos a esperança de resolver em breve”, diz a procuradora da República Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos). “O roteiro das investigações foi deixado pela Comissão Nacional da Verdade”, explicou.
Uma ferida aberta, o conflito dos anos de chumbo deixou um passivo difícil de elucidar: além dos 180 militantes da esquerda armada executados e desaparecidos, há ainda camponeses e índios que os órgãos de repressão mataram como queima de arquivo ou em conflitos fundiários que, como herança maldita, foram ocorrendo nos anos seguintes ao período mais violento da ditadura. “Só de indígenas estima-se que o número de mortos gira em torno de cinco mil”, diz a procuradora, com base em denúncias do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) da Igreja Católica.
Há ainda, segundo ela, centenas de camponeses desaparecidos nas regiões em que a esquerda armada tentou estabelecer bases. O caso mais conhecido é a Guerrilha do Araguaia onde, além dos 67 militantes do PCdoB exterminados, as entidades de direitos humanos já ouviram relatos de que há um grande número de camponeses desaparecidos.
“Trabalhamos com o propósito de dar resposta a todos os casos”, afirma Eugênia.
Assombrando direita e esquerda
Como os demais desaparecidos políticos, João Leonardo é um personagem emblemático, daqueles que, de tempos em tempos, “ressuscita” para assombrar assassinos e torturadores acobertados pelas Forças Armadas, mas também os setores da esquerda que se desviaram dos compromissos ideológicos, da ética na política e, sem resistência, se deixaram corromper ao alcançar o poder.
Ao lado do ex-ministro José Dirceu, condenado como chefe do mensalão e, segundo as investigações da Lava-Jato, um dos idealizadores do esquema de propina na Petrobras, João Leonardo foi um dos 15 presos que, trocados pela vida do embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado em 1969 por um grupo misto da ALN e MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) foram banidos para o México. Dias depois, a convite de Fidel Castro, foram viver em Cuba com outros 26 militantes que lá fundaram o Molipo.
João Leonardo e Dirceu eram muito ligados um ao outro: saíram juntos, treinaram juntos em Cuba, voltaram juntos, em 1971, para organizar as bases rurais do Molipo, mas tomaram rumos diferentes: um foi para o Sul e o outro, para o Nordeste.