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Estudantes de jornalismo debatem inter-religiosidade

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Tiago Marques | Agência Sertão

Estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade Guanambi receberam, na noite desta quinta-feira (26), a visita do Yaô do Ilê Axé Oju Orum, Edison Vieira. A atividade fez parte do conteúdo da disciplina de Comunicação e Relações Étnico-Raciais, que discute, nesse semestre, as religiões de matriz africana. Durante mais de duas horas, Edison respondeu a questões dos estudantes sobre o Candomblé. Estudantes dos cursos de Psicologia e de Fisioterapia também participaram da conversa.

Yaô Edison é estudante do curso de Pedagogia da UNEB/Guanambi (Universidade do Estado da Bahia – Campus XII) e, há cinco anos, desenvolve pesquisas sobre a realidade das crianças negras no ambiente escolar em Guanambi. Dentro dos aspectos pesquisados, aborda a questão das escolhas religiosas na infância, sobretudo no tocante às religiões de matriz africana.

Edison Vieira, Yaô do Ilê Axé Oju Orum – Caetité-BA – Tiago Marques/Agência Sertão

Segundo a professora Adriana Bomfim, docente da disciplina, a roda de conversa com o Yaô Edison faz parte de um projeto maior que visa debater as questões inter-religiosas no âmbito da formação profissional universitária. “Nosso objetivo foi, a partir do conhecimento acerca do candomblé, promover a abertura de espaços, no ambiente acadêmico, para o diálogo entre as mais diferentes crenças religiosas. Nesse sentido, buscamos exercitar a alteridade, permitindo ao outro expressar sua fé sem julgamentos ou valorações depreciativas”, disse a professora.

A professora Géssica Pera, docente do curso e responsável pela disciplina Antropologia, também, participou como convidada do debate. Para ela, não há religião melhor nem pior, mas aquela que se coaduna com o que o indivíduo escolhe ser. Ela acredita que a escola deve ter um papel fundamental para desconstruir a intolerância. “Quando as escolas trabalham o candomblé como cultura, diminuem sua importância como Religião”, pontuou a professora.

Edison falou sobre a história do Candomblé e, também, sobre a importância de entender a origem africana das diferentes denominações religiosas e a oposição que elas enfrentaram no confronto etnocentrista no Brasil.

Roda de Conversa debateu o Candomblé – Tiago Marques/Agência Sertão

Intolerância

Durante boa parte da roda de conversa, o Yaô Edison falou sobre as questões que envolvem o preconceito e a intolerância religiosa. Citou o caso do decreto publicado pelo prefeito Jairo Magalhães em janeiro, ao falar da exclusão que as religiões não cristãs sofrem na rede municipal de ensino. “Quando se entrega a chave da cidade para Jesus Cristo se admite que Guanambi é uma cidade confessional cristã protestante. Desconsidera-se o povo do terreiro, o povo de umbanda, e as pessoas que não tem religião alguma, os ateus que precisam ser respeitados. Nosso estado é laico, pelo menos ainda existe esse pressuposto”, pontua.

Dentre os aspectos pesquisados em seus trabalhos, a respeito do lugar da criança negra na escola, a questão religiosa chamou sua atenção. O preconceito dentro do ambiente escolar impressionou o religioso, que foi católico quando criança e evangélico na juventude. “Durante as pesquisas eu pude ouvir depoimentos de muitas crianças, que são de religiões de matriz africana, e os relatos de preconceito e intolerância me emocionaram”.

Edison também falou sobre os casos de destruição de templos religiosos no Rio de Janeiro. Dez traficantes foram indiciados por ataques a centros de candomblé e Umbanda no Estado, segundo a polícia, ex-presidiários que se converteram na cadeia.

 

Sacrifício Animal

A roda de conversa abordou a questão do sacrifício de animais. Questionado sobre a prática, Edson disse que a tradição do sacrifício de animais, dentro do candomblé remete à tradição tribal africana, onde as famílias eram extensas, com várias gerações morando juntas.  Os animais que forneciam a carne para a alimentação da tribo eram abatidos após rituais como demonstração de respeito. “Toda a comunidade vai lá bater cabeça para esse bode, que é colocar o orí (cabeça), que é o que há de mais sagrado do corpo para o candomblé, bater cabeça para ele, saldar ele, porque ele vai morrer, para que a comunidade viva… tem muito mais respeito do que no matadouro. Então ele é morto, faz o sacrifício, a carne dele vai para a comunidade e o ége (sangue) vai para ibá do orixá (semelhante a uma gamela feita de madeira ou de barro) ”.

Segundo o religioso, a carne alimenta a comunidade e o sangue é energia que vai alimentar o orixá, um fluido energético. Ele lembrou o Projeto de Lei 4.331/2012, do deputado federal Marco Feliciano (PSC), no qual o parlamentar pretende estabelecer sanção penal e administrativa para quem pratica o sacrifício de animais em rituais religiosos. A proposta foi apensada a um projeto que pretende mudar a Lei de Crimes Ambientais; a penalidade é a detenção de seis meses a um ano, e multa. “O que fundamenta a matança é alimentar a comunidade, muita gente não aceita a autonomia que nós temos de fazer nosso próprio alimento, de criar o animal e sacrificá-lo; é uma questão sanitária que vai além da religiosidade”.

Charlatanismo e Macumba

Para Edison, tenta-se associar as religiões de origem africana ao charlatanismo, mas no Candomblé não há dízimo ou cobranças. “O que há no candomblé é a oferta aos Búzios. O que é arrecadado é usado para manter as atividades do terreiro”, explica.

Ele explica também que há pessoas que usam do conhecimento das celebrações do candomblé para enganar as pessoas. “Não existe essa história de trazer o amor. Ninguém deve ficar com ninguém amarrado ou curar doenças de uma hora para outra. No terreiro, a gente ajuda as pessoas que estão com dificuldade a encontrarem o melhor caminho para alcançar o que desejam… a religião é baseada no respeito, respeito do novo pelo velho e do velho pelo novo”.

Sobre o que as pessoas chamam de macumba ou despacho, o Yaô explica que as oferendas do candomblé são feitas para se desintegrarem na natureza. São usadas folhas e barro para colocar as oferendas e não é comum usar-se vidro ou materiais nocivos ao ambiente. No entanto, há pessoas de fora do candomblé que não têm essa preocupação.

Respeito

A estudante Paloma Oliveira é evangélica e classificou a roda de conversa como de grande valor para compreender a religião do outro, colocando de lado pontos de vista e concepções preconceituosas. “Acredito que o maior aprendizado é quanto ao respeito que devemos ter com os adeptos de outras religiões. É sempre bom conhecer mais. Eu, por exemplo, nunca tinha parado para ouvir ou ler sobre as religiões afro-brasileiras, como o Candomblé. E, apesar de ser diferente daquilo que acredito, eu os aceito. As pessoas hoje confundem muito. A questão de não concordar com as ideias de alguém, não significa dizer que não tenho que respeitá-la como pessoa. E isso se faz necessário, pois é infelizmente o que tem faltado na sociedade, abrindo espaço para discursos intolerantes e de ódio. É como ouvimos sempre… A dignidade humana é um princípio e deve ser exercido”, comentou a aluna.

Foto Adriana Bomfim

Sobre o que o candomblé espera da sociedade, Edison tem a resposta na ponta da língua. “Respeito, queremos respeito para que nossas crianças não sejam chamadas de filhas do capeta, como acontece em nossas escolas”, finalizou.

O debate inter-religioso volta à pauta dos estudantes em novembro, quando a professora Adriana Bomfim pretende realizar uma mesa redonda com a presença de representantes das mais diferentes religiões, na Faculdade Guanambi.

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