“Investigar homicídios não é receita de bolo”. A afirmação é do diretor da Divisão de Homicídios (DH), delegado Fábio Cardoso, ao comparar a investigação do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco com o caso da juíza Patrícia Acioli, morta com 21 tiros por policiais na frente de casa no dia 11 de agosto de 2011 em Niterói, e o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, levado por policiais na Rocinha e depois morto, no dia 14 de julho de 2013.
A solução do assassinato da juíza foi obtida com 50 dias de investigação e o de Amarildo foram 75 dias até o indiciamento dos acusados. A vereadora foi executada no dia 14 de março, em uma emboscada no bairro do Estácio, zona central da cidade, quando também morreu o motorista Anderson Gomes. Já se passaram mais de cinco meses e ainda não há uma resposta para o crime.
Segundo o delegado, nos casos Patrícia Acioli e Amarildo, já havia uma linha clara de investigação desde o início, com informações precisas. “Cada caso é um caso, não podemos achar que todas as investigações são iguais. Ainda mais homicídio; não é receita de bolo. Desde o início, nos casos da juíza e de Amarildo já se tinha uma linha muito evidente de investigação, então foi menos complexo investigar. Diferentemente do caso de Marielle”, alegou.
No início da investigação, no entanto, as forças de segurança chegaram a informar que, em uma comparação temporal com os casos Patrícia Acioli e Amarildo, os homicídios de Marielle e Anderson estavam com as investigações mais avançadas.
O delegado participou, na manhã de hoje (27), do debate O Parlamento sem Marielle, durante a 13ª Reunião do Fórum Permanente de Segurança Pública e Execuções Penais, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj). Cardoso informou que a vereadora não tinha recebido ameaças, mas era “muito combativa” e costumava postar denúncias recebidas nas redes sociais.
“A linha principal aponta que o homicídio da Marielle foi em razão de alguma atuação como parlamentar, na vida profissional dela. Isso já está bem claro. Os executores foram muito profissionais, mas temos que encontrar também os mandantes”, afirmou.
Cardoso disse também que todas as linhas de investigação que surgiram no início foram checadas, em uma investigação técnica, “para não correr o risco de cometer erros”. “Chegaram muitas informações de linhas de investigação e a gente não pode, simplesmente, descartar por achar que não é. A gente tem que investigar, e muitas delas foram exauridas e já foram descartadas, com relação a questões pessoais de Marielle”, informou.
Segundo o delegado, já está provado que a morte de Anderson Gomes foi um “efeito colateral”, por ter ficado na linha de tiro do alvo principal, que era Marielle. “O tiro foi na diagonal, os autores sabiam que ela estava sentada na parte traseira direita do carro, tinha insulfilme e eles sabiam que ela estava ali”.
Confiança na investigação
No mesmo evento, o coronel Ibis Pereira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, atualmente pesquisador do Núcleo de Identidade Brasileira e História Contemporânea da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse confiar no trabalho da Polícia Civil do Rio de Janeiro para solucionar o assassinato de Marielle Franco.
“Nós temos capacidade para solucionar o crime sim. Mas as instituições policiais no Rio de Janeiro estão sucateadas, o nosso estado vive uma crise política, econômica e financeira sem precedentes. Um desafio para o próximo governo é renovar as nossas instituições. Mas nós temos capacidade, não há necessidade nenhuma de federalizar a investigação.”
Segundo Pereira, o evento na Emerj é importante para problematizar a morte da vereadora e refletir sobre as saídas para a segurança pública no país. “Essa saída vem da reflexão e do comprometimento das instituições. A Emerj e o Fórum de Segurança são uma demonstração de que, juntos, nós vamos conseguir superar essa crise”.
Para o desembargador Alcides da Fonseca Neto, que fez a abertura do evento, o objetivo do evento foi discutir a vida, a obra e as circunstâncias do assassinato de Marielle. De outro lado, disse que a iniciativa não teve o propósito de julgar o trabalho investigativo da polícia, mas sim contribuir para o debate.
“Não é bom para a democracia de lugar nenhum que parlamentares comecem a ser mortos. O próprio ministro [da Segurança] Raul Jungmann já disse que foi um crime político. Então, esse crime precisa ser desvendado. É preciso examinar quais eram as atividades desenvolvidas por Marielle, o caminho me parece que seja esse. Ela era uma parlamentar e está morta há mais de cinco meses. Nós, de uma sociedade organizada, em uma democracia, podemos deixar isso continuar dessa forma?”, questiona.
Fonte: Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil