SÃO PAULO (Reuters) – O futuro dos contratos atribuídos à elétrica Renova Energia para a construção de um complexo eólico na Bahia tem preocupado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que emprestou quase 1 bilhão de reais para o empreendimento, segundo documentos vistos pela Reuters.
O projeto Alto Sertão III-Fase A foi paralisado pela Renova por falta de recursos em 2016, com obras 87% concluídas.
A empresa, controlada por Cemig e Light, tem negociado a venda do ativo à AES Tietê,, da norte-americana AES, mas a conclusão do negócio depende da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma vez que as usinas deveriam ter entrado em operação ainda em 2015.
A AES Tietê também pretendia comprar a chamada “fase B” do complexo, que venderia a produção no mercado livre de eletricidade, mas os parques tiveram as autorizações revogadas pela Aneel devido ao atraso, o que acendeu um alerta para o banco estatal sobre o destino da “fase A”, disse à Reuters uma fonte com conhecimento do assunto.
Em carta à agência reguladora, o BNDES manifestou “preocupação com as consequências do eventual indeferimento do plano de transferência de titularidade do Complexo Eólico Alto Sertão III-Fase A da Renova para a AES”, ressaltando que o empréstimo-ponte dado ao projeto vencerá em 15 de julho.
“Em caso de não conclusão da venda para a AES, há risco de perda do investimento realizado e de comprometimento da satisfação do crédito do BNDES e dos bancos privados”, afirmou no documento banco estatal, que tem uma participação minoritária na Renova por meio do seu braço de investimento, o BNDESPar.
De acordo com o BNDES, o vencimento do financiamento tem sido postergado desde junho de 2016, sendo que a operação é garantida pela Renova “e parcialmente por fiança bancária de quatro bancos privados”.
A questão é que área técnica da agência reguladora já sugeriu em uma nota no final de dezembro que a melhor solução seria rescindir os contratos também da fase A do projeto.
A fase A do complexo foi viabilizada pela Renova em um leilão de reserva promovido pelo governo federal em 2013. O acordo assinado pela empresa para a venda da energia dos parques prevê possibilidade de resolução contratual em caso de atraso de mais de dois anos na entrega da energia, um prazo que se esgotou ainda em agosto de 2017.
“Concluímos que devem ser resolvidos os contratos das usinas”, afirmaram os técnicos da Aneel no documento, sugerindo ainda outras penalidades para o empreendimento.
Procurado, o BNDES não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre sua preocupação com o projeto. Não foi possível contatar representantes da Renova Energia.
A fase A do projeto Alto Sertão III terá quando concluída uma capacidade instalada de 438 megawatts. A fase B teria 305 MW. O empréstimo-ponte do BNDES para o empreendimento está atualmente avaliado em 960 milhões de reais.
SAÍDA DIFÍCIL
Uma pedra no caminho para que a Renova mantenha os contratos de Alto Sertão III e possa concluir com sucesso a transferência do ativo à AES é o valor fechado para a venda da produção das usinas quando elas foram licitadas, em 2013.
Ao avaliar o destino da fase B do projeto, no início do mês, diretores da Aneel destacaram que a fase A comercializou energia a preços que, atualizados, estão 41% acima do custo de eólicas viabilizadas em uma licitação de 2018.
“Esse é um item muito complicado… realmente pode prejudicar a aprovação da transferência”, disse à Reuters a fonte que acompanha conversas entre empresas, BNDES e regulador.
Também pesa sobre a decisão o fato de que o Ministério de Minas e Energia já ofereceu no passado uma possibilidade de devolução amigável de projetos de energia em atraso, ocasião em que a Renova não quis aderir ao mecanismo, ainda segundo a fonte, que falou sob a condição de anonimato porque não tem autorização para conversar com a imprensa.
Como a preocupação é com o impacto da operação sobre os consumidores, uma alternativa seria cancelar os contratos, mas permitir a transferência do ativo caso as empresas ainda tenham interesse, acrescentou a fonte.
O problema nesse caso é que a proposta atual da empresa pelo complexo parece levar em consideração um cenário de manutenção dos contratos, enquanto uma revogação obrigaria Renova ou AES a buscarem compradores para a produção do parque no mercado livre de eletricidade ou em leilões realizados pelo governo, provavelmente a preços menores.
A proposta da AES Tietê pelo fase A do complexo é de 350 milhões de reais, mais assunção das dívidas e possíveis pagamentos futuros de acordo com o desempenho da usina. A empresa ainda havia oferecido 90 milhões pela fase B.
Com a decisão da Aneel sobre a fase B, a AES Tietê disse que reavaliaria o ativo, mas reiterou interesse na fase A.
Procurada, a AES Tietê informou que não comentará o assunto.
O contrato entre Renova e AES Tietê por Alto Sertão 3 prevê multa de 20 milhões de reais por mês em favor da compradora em caso de atraso no fechamento da transação, originalmente previsto para 2 de maio, segundo o mais recente balanço da elétrica.