Projeto de uma vida inteira para muitos brasileiros, o sonho do imóvel próprio foi interrompido para as 120 famílias do edifício Palace II, que desmoronou na Barra da Tijuca em 1998. O documentário Palace II – Três Quartos com Vista para o Mar, que estreou na última quinta-feira (18) em salas de cinema do Rio de Janeiro, mostra décadas de tragédia e angústia das vítimas de um prédio mal construído.
O longa-metragem conta a história a partir dos esforços dessas famílias para comprar os imóveis e da chegada delas a um edifício que demonstrava problemas no acabamento. Os dias de maior desespero com os desmoronamentos e a espera por justiça completam a narrativa do longa.
Em 22 de fevereiro de 1998, parte da construção de 22 andares desabou, matando oito pessoas. Uma semana depois, a Defesa Civil pôs abaixo o restante da torre às pressas, após mais um desabamento parcial. Documentos, pertences e corpos ainda não encontrados foram soterrados.
Diretor ao lado de Gabriel Correa e Castro, Rafael Machado conta que a ideia é mostrar que a tragédia não foi pontual na vida dos moradores. “É uma tragédia da vida toda, que envolve um plano de vida destruído, que não retorna. A gente mostra que aquela tragédia não acabou ali. Ela dura 20 anos, assim como o processo. São duas coisas que parecem que não vão acabar nunca e que são permanentes na vida dessas pessoas”, explica.
O longa é o segundo mergulho dos cineastas na história do Palace II. Em 2008, Gabriel dirigiu um curta-metragem sobre a tragédia, com a participação de Rafael, que conta que pouca coisa mudou em 10 anos. “Tragicamente, não percebemos muita diferença no sentimento de tristeza e injustiça. Parecia que estávamos fazendo o filme de 2008”, diz.
O filme relata a história com entrevistas com proprietários, peritos e advogados, traz acervo pessoal inédito das famílias, relembra reportagens e contextualiza a construção do Palace II no boom imobiliário dos anos 1990 na Barra da Tijuca. “A maneira como as famílias contam mexe muito com a gente. Eles contam de um jeito que parece que foi ontem. Parece que acabou de acontecer. Quando você percebe todo aquele ressentimento, ódio, tristeza, rancor e a incapacidade de conviver com todo esse sentimento, isso te marca”, completa Rafael.
Dono da construtora responsável pela obra, Sérgio Naya, que era deputado federal na época do desabamento, foi absolvido do processo criminal em 2005 e morreu em 2009. Paralelamente, corre na Justiça Cível o ressarcimento das 120 famílias.
Indenização parcelada
Segundo o advogado Eduardo Lutz, que representa a Associação de Vítimas do Palace II, as famílias vêm recebendo a indenização de forma parcelada, conforme os bens que pertenciam a Naya são leiloados. O total recebido, porém, ainda sequer atingiu a metade dos R$ 180 milhões devidos a todas elas, diz Lutz. Ele explica que os valores variam de acordo com os apartamentos e os prejuízos da tragédia, o que inclui a morte das oito vítimas.
Com 48 anos quando entrou no caso, o advogado hoje tem 69. Seu parceiro na defesa das famílias, o advogado Nelio Andrade, morreu antes de ver o fim do processo.
“Para os próximos passos, falta localizar os próximos bens para levar a leilão. Nosso trabalho tem sido descobrir onde está esse patrimônio”, conta Eduardo. Ele espera que o filme sensibilize autoridades a acelerar o ressarcimento.
Longa espera
A presidente da associação de vítimas do Palace II, Rauliete Barbosa Guedes, de 70 anos, conta que a espera de mais de 21 anos foi longa demais para cerca de 15 ex-moradores do prédio. Entre 1998 e 2019, mais de uma dezena morreu antes de receber a indenização.
Ela conta que recebe constantemente contatos dos ex-moradores interessados em saber sobre o andamento do processo. Em abril, chegou a notícia da morte de mais uma de suas ex-vizinhas.
“Era uma pessoa que contava dia e noite com receber o dinheiro para comprar de novo sua casinha. Muitas pessoas ali eram de idade, que queriam se aposentar, descansar e caminhar na praia”, diz Rauliete, que viu a tragédia tomar muitas formas na vida dos associados. “Tem gente que ficou com problemas de alcoolismo, síndrome do pânico, problemas psicológicos, separações, brigas. Tudo o que você imaginar de ruim aconteceu com essas famílias”, comenta.
História resgatada
Assistir ao documentário foi importante, na visão dela, por poder ver a história resgatada. “O Brasil vive um caso novo a cada dia, então acabamos ficando esquecidos, e as pessoas vão se desgastando”, destaca ela.
Rauliete diz não poder deixar de relembrar o Palace II depois do desmoronamento dos prédios na Muzema, também na região da Barra da Tijuca, ocorrido em abril deste ano. “Estivemos lá [na Muzema] quando aconteceu. Mexeu muito com a gente. Foi como se estivesse acontecendo novamente”, ressalta.
Edição: Wellton Máximo