No quesito impeachment de um presidente, o Brasil ostenta mais experiência e organização que os Estados Unidos. Dois mandatários brasileiros foram afastados do cargo e a legislação nacional é mais clara e detalhada sobre o que pode levar a um processo de impeachment e como ele deve de fato tramitar no Legislativo. Nos EUA, nunca ocorreu um afastamento presidencial por impeachment, cuja regulamentação é pouco detalhada na legislação.
Alvo de uma série de investigações no Congresso, o presidente americano Donald Trump pode vir a se tornar o primeiro líder do país deixar o cargo por esse motivo, caso assim determinem deputados e senadores.
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O republicano foi acusado por um informante de ter pressionado por telefone o presidente da Ucrânia a investigar a família do ex-presidente americano Joe Biden, democrata cotado para disputar com Trump a eleição presidencial em 2020.
A denúncia que embasa a investigação na Câmara também acusa a Casa Branca de ter tentado acobertar esse telefonema. Trump fala em caça às bruxas e defende que sua conversa não tem ilegalidade alguma.
Hoje, os democratas dominam a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) e os republicanos, o Senado.
Mas, diferentemente do que ocorre no Brasil, caso os deputados aprovem a abertura de um processo de impeachment, Trump não seria afastado do cargo. Foi o que ocorreu com Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, que sofreram impeachment, mas foram absolvidos no Senado.
Entenda quais são as diferenças e semelhanças fundamentais entre os processos nos dois países.
Quais tipos de crime podem levar a um impeachment?
Nos Estados Unidos, a seção 4ª do artigo 2º da Constituição americana afirma que o presidente, o vice-presidente e todas as autoridades civis dos Estados Unidos podem ser removidos do cargo por impeachment caso sejam condenadas por “traição, suborno ou outros altos crimes e contravenções”.
Mas a Carta Magna americana não detalha que crimes são esses. Historicamente, costumam ser atos em que há abuso de poder ou obstrução de Justiça.
No Brasil, o artigo 85 da Constituição lista sete tipos de atos presidenciais que podem ser considerados crimes que atentam contra a própria Constituição e, portanto, passíveis de processo e julgamento. Entre eles, atentar contra a existência da União, a segurança interna do país, o cumprimento das leis e a lei orçamentária.
O detalhamento desses crimes aparece em outro texto legal, a chamada Lei do Impeachment (1.079/50, atualizada em 2000). A exemplo, o pedido que levou à queda da então presidente Dilma Rousseff cita o artigo 10 desta norma, que proíbe “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal”.
Qual é o papel da Câmara no processo?
Nos Estados Unidos, cabe à Câmara dos Representantes decidir se vota pela aprovação do impeachment, ou seja, da acusação formal contra o presidente, mas a Constituição não especifica quais os passos necessários até chegar a essa decisão.
O processo pode começar por iniciativa de deputados ou da própria Casa. Historicamente, é comum que haja inicialmente a votação de uma resolução que autoriza ou não a Comissão Judiciária da Câmara a realizar investigações (o que não ocorreu no caso de Trump, alvo hoje de seis comissões parlamentares). Foi esta comissão que realizou apurações nos casos de Nixon e Clinton, antes da votação no plenário da Casa.
Em 1974, o então presidente Richard Nixon renunciou antes do processo de impeachment ser apreciado pela Câmara dos Representantes. Ele foi acusado de ter promovido escuta telefônica nos escritórios dos democratas, no escândalo que passou para a história como Watergate, nome do prédio em Washington onde se deu a escuta.
Durante seu processo investigativo, essa Comissão Judiciária pode realizar audiências, analisar documentos e ouvir testemunhas para determinar se as acusações são passíveis de impeachment. Ao final dessa investigação, se chegar à conclusão de que há evidências fortes de crime, a comissão pode decidir recomendar que o plenário da Câmara aprove um ou mais artigos de impeachment contra o presidente.
No Brasil, qualquer cidadão pode apresentar um pedido de impeachment contra o presidente da República, e cabe ao presidente da Câmara dos Deputados acolhê-lo ou não. Se ele aceitar o pleito, ele designa a criação de uma comissão especial eleita que dará prosseguimento ao caso.
Segundo a lei, o grupo de deputados escolhidos poderá “proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia” a fim de produzir um relatório que será submetido a voto tanto na comissão quanto no plenário da Casa.
A tramitação do caso está prevista em detalhe na Lei do Impeachment, com prazo, etapas e papéis determinados.
Quantos votos são necessários na Câmara?
Nos Estados Unidos, é necessária maioria simples para aprovar cada um dos artigos de impeachment, que são votados separadamente. Ou seja, caso todos os 435 membros da Câmara dos Representantes votem, são necessários 218 votos para aprovação. Hoje, há 235 deputados democratas, 1 independente e 199 republicanos na Casa.
No Brasil, são necessários os votos de pelo menos dois terços dos deputados federais aprovar um impeachment. Ou seja, com um total de 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, são necessários 342 votos para aprovação da autorização da instauração de um processo de impeachment. Se for rejeitado, o caso é arquivado.
Se a Câmara aprovar a abertura do processo, o presidente é afastado do cargo?
Nos Estados Unidos, o presidente não deixa o cargo nesta etapa da investigação. O afastamento só ocorre caso ele seja condenado no julgamento no Senado.
No Brasil, o presidente é afastado temporariamente do cargo quando a maioria simples dos senadores (maioria dos votantes) chancela a admissibilidade da investigação e decide instaurar o processo. A saída definitiva, no entanto, precisa ser aprovada por pelo menos dois terços dos senadores (54) na votação final durante o julgamento.
Qual é o papel do Senado?
Nos Estados Unidos, caso o impeachment seja aprovado pela Câmara dos Representantes, o presidente é submetido a um julgamento pelo Senado. Como o rito não é estabelecido por lei, em geral os senadores definem isso caso a caso. Tampouco há prazo limitado.
Esse processo é comandado pelo presidente da Suprema Corte, a mais alta instância da Justiça americana. O presidente da República tem direito a advogados de defesa, e um grupo de deputados da Câmara dos Representantes atua como os promotores. O julgamento pode levar meses. Ao final, os senadores votam pela condenação ou absolvição do presidente.
No Brasil, os senadores têm 180 dias para analisar o pedido de impeachment, período em que o vice-presidente da República fica interinamente à frente do Poder Executivo.
É criada na Casa uma nova comissão especial para avaliar o caso, sendo responsável, por exemplo, por ouvir defesa, testemunhas e acusação e coletar provas.
Quantos votos são necessários para uma condenação?
Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a condenação do presidente da República, e seu afastamento definitivo, precisa dos votos de pelo menos dois terços dos senadores. Em seu lugar, assume o vice-presidente da República até a conclusão do mandato previsto.
Hoje, dentre os 100 senadores, há 53 republicanos, 45 democratas e 2 independentes. Para que Trump seja condenado, portanto, é preciso o apoio democrata unânime e também de 20 membros do Partido Republicano.
No Brasil, em caso de condenação, o presidente perde o mandato e fica impedida de assumir cargos públicos por oito anos (a segunda pena, no entanto, não foi aplicada a Dilma).
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