Cinco mulheres e sete crianças de uma família de ciganos de Vitória da Conquista estão sendo acompanhadas pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) e a instituição busca a inserção delas em um programa de proteção a testemunhas.
O motivo são as denúncias de perseguição após o duplo homicídio que vitimou dois policiais militares no distrito de José Gonçalves, na zona rural do município. A DPE/BA afirma que a recebeu informações que relataram perseguição por parte de policias militares à comunidade, onde vivem outras famílias de etnia cigana. A demanda foi notificada à Defensoria por meio da Ouvidoria Cidadã.
O crime que envolve os ciganos do interior de Vitória da Conquista aconteceu no dia 13 de junho. O soldado Robson Brito de Matos, 30 anos, e o tenente Luciano Libarino Neves, 34 anos estavam à paisana, realizando um trabalho de inteligência na localidade, quando foram surpreendidos por homens armados e mortos a tiros.
As forças policiais do Estado iniciaram imediatamente a perseguição aos supostos autores, conforme relatos que chegaram à Instituição. Ao todo, dez homens foram acusados de envolvimento: um pai – que deu entrada em hospital com ferimentos à bala e já teve a prisão preventiva decretada – e nove filhos. Três deles morreram em confrontos com policiais, em Vitória da Conquista e também em Itiruçu.
Coordenador da 2ª Regional da Defensoria, sediada em Vitória da Conquista, José Raimundo Passos explicou que a providência imediata foi se reunir com o Comando de Policiamento do Sudoeste. ”Os policiais militares foram convocados pelo respectivo Comando, que informou que não iria tolerar nenhum tipo de perseguição à comunidade cigana, a qual não tem nada a ver com a ação homicida contra os policiais”, informou.
O defensor público explicou que as pessoas pertencentes à família dos acusados – as cinco mulheres e sete crianças – estavam sendo atendidas pela Secretaria de Desenvolvimento Social de Vitória da Conquista. “Foi conseguido um abrigo provisório para que elas não permanecessem na comunidade. No entanto, diante da falta de segurança em Vitória da Conquista, elas desejavam ir para a cidade de Jeuié”, completou.
Com isto, foi necessário acionar coordenação da 12ª Regional da DPE/BA, situada em Jequié. Como o respectivo município não tem abrigamento para pessoas em situação de risco, foi encontrada uma alternativa provisória para as cinco mulheres e sete crianças.
“Não vi outra alternativa a não ser acionar um abrigo provisório, uma associação filantrópica que sobrevive de doações e está buscando cadastro diante de órgãos competentes para receber recursos públicos. Embora com dificuldades financeiras e sem a estrutura necessária, o local se dispôs prontamente a receber o agrupamento familiar. E, conversando com a superintendência estadual de Direitos Humanos, decidimos buscar uma solução definitiva, que seria a inserção em um programa de proteção”, explicou a defensora pública Yana de Araújo Melo, coordenadora da 12ª Regional.
Em Jequié, o Núcleo de Assistência Psicossocial local da DPE/BA, por meio da assistente social Ana Maria e da psicóloga Amanda Cafezeiro, estudou alguns programas de proteção em que a família pudesse se encaixar. Ao consultar a família e identificar o interesse, foi contatada a coordenação da Especializada de Direitos Humanos, a qual está encaminhando a solicitação de inserção no programa de proteção. Desde então, já foi realizada uma entrevista virtual de urgência com duas das cinco mulheres.
“Neste momento, o que precisamos é garantir os direitos humanos dessas pessoas, que, ao que tudo indica, foram inclusive recusadas pela comunidade cigana de Jequié. É uma situação muito difícil, pois a população se fecha e acha que a Defensoria está atuando em prol de pessoas que oferecem risco ao município. Não é fácil ter essa posição contra majoritária de defendê-las, é nossa responsabilidade”, afirmou a defensora Yana de Araújo.
À época do ocorrido, o Comando de Policiamento da Região Sudoeste da Bahia (CPRSO) informou que a corporação age dentro dos limites legais na operação para prender os autores do duplo homicídio. Sobre denúncias de instituição de etnia cigana de perseguição, a PM informou que as investigações apontam que foram os próprios ciganos que colocaram fogo em casa com a finalidade de apagar provas que pudessem identificá-los.
Em relação às três mortes, a polícia afirmou que elas ocorreram após os ciganos entrarem em confronto com policiais. A cúpula da Secretaria de Segurança Pública esteve em Vitória da Conquista na última segunda-feira (16) para acompanhar os desdobramentos da operação. Seis suspeitos ainda estão sendo procurados.
A DPE afirma que o caso ganhou repercussão nacional e o conflito entre policiais militares e ciganos não mais se restringe ao grupo familiar. Entre as diversas instituições e órgãos públicos que contataram a Defensoria para acompanhar o caso estão o Ministério Público Federal, por meio de procuradores da República; e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH.
Institutos e associações de defesa de etnias ciganas emitiram notas manifestando temor pela perseguição de ciganos inocentes. O assunto também repercutiu nas comunidades de ciganos em outros países da América Latina.
Na semana passada, o secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, esteve em Vitória da Conquista se reunindo diretamente com os defensores públicos estaduais José Raimundo e Yana de Araújo, além dos coordenadores do Núcleo de Integração da DPE/BA, Cristina Ulm e Maurício Saporito.