Saulo Souza Lima é proprietário de uma loja de instrumentos musicais e de uma escola de música em Itapetinga. Com a pandemia, ele enfrentou uma diminuição drástica no público de seus estabelecimentos, dificuldades de abastecimento junto aos fornecedores, aumento no preço da maioria dos produtos (cotados pelo dólar), lockdown no comércio local e, por não conseguir acordo de redução de aluguel nos períodos de fechamento do comércio, precisou entregar um dos pontos da empresa. Ele é um dos 49 empreendedores afetados pela crise causada pela pandemia da Covid-19, que estão sendo beneficiados pelas consultorias do programa IF Mais Empreendedor no Instituto Federal Baiano (IF Baiano).
O IF Mais Empreendedor é um programa nacional de extensão tecnológica dos Institutos Federais que está remodelando os negócios de cerca de 1400 empreendedores brasileiros afetados negativamente pela pandemia, através da atuação de 1680 estudantes bolsistas, coordenados por 319 servidores da Rede. O programa é financiado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC) e no IF Baiano possui sete projetos fornecendo atendimento, apoio e orientação a micro e pequenos empreendedores e empreendedores individuais em cinco cidades da Bahia (Guanambi, Itapetinga, Itaberaba, Uruçuca e Teixeira de Freitas).
Cada projeto conta com seis estudantes bolsistas na equipe, que, com a orientação de professores qualificados, prestam consultoria aos negócios beneficiados. As equipes mapeiam o diagnóstico das necessidades da empresa e o seu público-alvo e capacitam os empreendedores, a depender do ramo do negócio, para o marketing digital, relacionamento interpessoal e intrapessoal, planejamento financeiro, precificação, inovação, elaboração de Procedimentos Operacionais Padrão (POP), elaboração de Manual de Boas Práticas de Fabricação, entre outras ações, por meio de oficinas, minicursos e encontros presenciais e virtuais.
Crise econômica
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no Brasil ficou em 14,7% no primeiro trimestre de 2021 e se manteve em patamar recorde, atingindo 14,8 milhões de pessoas. Em relatório divulgado em julho deste ano, o Banco Mundial afirma que a crise econômica causada pela pandemia deve provocar efeito negativo sobre empregos e salários no Brasil por nove anos. Segundo o pró-reitor de Extensão do IF Baiano, Rafael Oliva Trocoli, foi diante desse cenário devastador para o empreendedorismo que o IF Mais Empreendedor surgiu para atuar gratuitamente junto à comunidade regional, oferecendo ferramentas para enfrentar as dificuldades e perdas ocasionadas pela pandemia da Covid-19.
Para o empreendedor Saulo, beneficiado pelo projeto Empreendedorismo Musical em tempos de pandemia, participar do projeto tem sido excelente. “Sem dúvidas, para o micro e pequeno empresário, receber apoio e orientação em forma de consultoria personalizada por profissionais gabaritados é algo muito relevante”, afirma. Ele espera que o projeto possa gerar medidas práticas e tangíveis na realidade das empresas. Segundo o orientador e criador do projeto, o professor de música, Tiago Mota, que também é empreendedor na área do music business, a música foi uma das áreas mais atingidas pela crise econômica oriunda da pandemia. Por isso, ele resolveu propor o projeto para fomentar o empreendedorismo musical e a formação dos profissionais da sua região.
A cabeleireira, Edinélia Santos Silva, tem sido assistida pela equipe do projeto “Remodelagem de negócios do ramo de beleza dos Micro Empreendedores Individuais (MEI) de Teixeira de Freitas”, que já criou para o salão de Edinélia um perfil profissional no Instagram, cartão de visita e uma nova logomarca para a empresa. “É uma equipe capacitada, compromissada, que traz para a gente inovação, trabalha o marketing da empresa, te eleva, mostrando que existe sempre uma saída”, afirma Edinélia. “É um momento difícil, mas temos que seguir em frente e essa equipe maravilhosa está nos levando a seguir”.
Ganha o empreendedor, ganha o estudante
Se para o empreendedor, que muitas vezes não tem condições de se qualificar para a gestão do seu negócio, o programa é uma oportunidade de aproximá-lo da expertise acadêmica, para o aluno bolsista, esta é a chance de ter contato com a prática antes mesmo de se lançar no mercado de trabalho. Em um momento como este em que a crise sanitária dificulta as aulas práticas e as possibilidades de estágios, participar do IF Mais Empreendedor é uma oportunidade única para os estudantes, assim define a aluna que participou da remodelagem do salão de Edinélia, Michele Rocha Berto. “O curso Técnico de Administração nos dá uma certa noção do que é participar de tudo isso, mas conhecer de perto e viver na prática é totalmente diferente, pois a gente vê as dificuldades, a estrutura, a coordenação, a organização dessas micro empresas e tem uma ideia de como agir, resolver ou apresentar novas opções para estes negócios”, afirma a aluna.
Para a estudante do curso de Licenciatura em Química do Campus Guanambi, Gabriela Pereira Cardoso, a aplicação dos conhecimentos acadêmicos em realidades distintas faz com que os bolsistas aprendam a lidar com a prática, baseando-se no que foi aprendido dentro do Instituto. “Posso citar a aplicação da legislação na condição de produção e comercialização de polpas de frutas, as análises laboratoriais que são feitas, bem como a nossa atuação profissional em um ambiente que possamos estar trabalhando futuramente”, conta a aluna que é bolsista do projeto que capacita produtores de polpas de frutas congeladas através da implementação de boas práticas de fabricação. Ela vislumbra o aprendizado como de grande valia para estruturar e manter sua própria empresa futuramente ou até mesmo para seus familiares.
Mulheres e o mercado de trabalho
Um dos setes projetos do IF Mais Empreendedor no IF Baiano busca atender ao nicho de pessoas mais prejudicadas no campo do trabalho pela pandemia: as mulheres. O projeto Gestão Empreendedora Feminina, do Campus Uruçuca, dá suporte a sete empreendedoras. A orientadora do projeto, Tatiana Araújo Reis, explica que as mulheres empreendedoras são mais jovens e têm um nível de escolaridade 16% superior ao dos homens. Entretanto, elas ganham 22% menos que os empresários, uma situação que vem se repetindo desde 2015, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A diferença entre a situação de homens e mulheres no mercado de trabalho já era desigual e a crise intensificou ainda mais essas diferenças. As mulheres tinham uma maior chance de mudar da situação de ocupada para inativa e também uma menor chance de entrar na condição de ocupada e isso se intensificou com a pandemia”, afirma Tatiana, citando dados do IPEA que revelam que a taxa de ocupação de empregos de 2019 para 2020 caiu de 46,2% para 39,7%, entre as mulheres, e de 64,8% para 58,1%, entre os homens.
Para a orientadora do projeto, diante de tantas dificuldades fica clara a importância do apoio às mulheres empreendedoras, uma vez que assumir o próprio negócio é uma forma de empoderamento e de ascensão para cargos de liderança, o que pode colaborar para a modificação desse quadro de desigualdade. “Quando uma mulher empreende e é dona do seu próprio dinheiro, ela vira dona de sua própria história. E sendo dona de sua própria história, ela tem mais chance de interromper ciclos de violência contra si e sua família”, conclui.