As chuvas de dezembro e início de janeiro em Minas Gerais e na Bahia promoveram uma das maiores cheias já registradas em quase 100 anos de medições do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), e também da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf).
A imensidão da bacia, que só em Minas Gerais abrange 240 municípios, faz com o que a cheia seja lenta e demore mais de um mês para se completar, desde as nascentes até a hidroelétrica de Sobradinho, na Bahia, e depois mais algumas semanas até a foz, na divisa de Alagoas e Sergipe.
Em muitas regiões da bacia hidrográfica, as chuvas de meados de dezembro e início de janeiro superaram os índices de 700 mm. Também choveu bastante no Oeste da Bahia e na margem direita do rio no Estado, onde os rios intermitentes também contribuíram para a cheia.
No Alto São Francisco, o Velho Chico e seu afluentes deram a maior afluência já registrada em quase 60 anos de operação da Hidroelétrica de Três Marias. No dia 13 de janeiro, a vazão de entrada de água no reservatório passou de 9.200 metros cúbicos por segundo (m³/s), superando a maior marca até então, do ano de 1983, quando a afluência foi de cerca de 7.500 m³/s.
Este recorde fez com que o reservatório subisse muito rápido e chegasse a 94% de sua capacidade, o que fez com que a Cemig abrisse as comportas para iniciar o processo de controle da cheia. Este foi o maior volume já registrado para o mês de janeiro em toda a história. Com a diminuição das chuvas, o volume recuou para 86%, dando mais espaço para armazenar águas das próximas chuvas.
As comportas ficaram abertas com defluência de 3.000 m³/s até a última segunda-feira (31), quando começaram a ser fechadas. A princípio, a estatal havia programado interromper o vertimento nesta sexta-feira (4), mantendo apenas a vazão turbinada de 800 m³/s. No entanto, com previsão de mais chuvas volumosas na bacia hidrográfica, a vazão foi reduzida e mantida em 2.200 m³/s.
Enquanto a barragem de Três Marias retinha a água da maior cheia desde quando terminou sua construção, os afluentes à jusante de Três Marias também registravam cheias históricas, fazendo correr rumo ao Velho Chico grandes vazões.
Em Pirapora e Buritizeiro, primeiras cidades banhadas pelo rio São Francisco à jusante da primeira hidroelétrica, a cheia do rio Abaeté, cuja foz está pouco abaixo da barragem, elevou o nível da água ao maior patamar desde 1983. Antes mesmo da liberação de águas na barragem, o nível chegou a 4,12 metros (m) no dia 12 de janeiro, um centímetro a mais do que o registrado na grande cheia de 2007.
De acordo com os registros do SGB/CPRM, o maior nível atingido em Pirapora desde 1968 foi de 4,56 m, registrado em 1979. O segundo maior foi no ano de 1983, quando o rio atingiu a cota 4,30 m e o terceiro em 1980, com a cota de 4,17 m.
A abertura das comportas de Três Marias foi segurada ao máximo possível até a diminuição da cheia do rio Abaeté. A liberação de água antes poderia causar transtornos nas cidades e atingir o canteiro onde o Vapor Benjamin Guimarães está ancorado para ser restaurado.
Com o Abaeté mais vazio e a liberação de 3.000 m³/s, o nível do rio permaneceu próximo a 4 metros durante as últimas semanas e baixou para 3,49 m no momento.
Mais abaixo, na cidade de São Francisco, a cheia quase superou a marca de 2007. O pico da cheia aconteceu no dia 21 de janeiro, quando o nível do rio chegou à marca de 10,17 m, nove centímetros a menos do que da cheia anterior. As maiores cheias nesta localidade foram registradas em 1979, com nível de 13,48 m e de 1992, com 12,33 m.
Também foram registradas cheias superiores a 10 m nos anos de 1925, 1926, 1939, 1943, 1945, 1946, 1948, 1962, antes do início da operação da UHE de Três Marias, e nos anos de 1963, 1980, 1983, 1985, 1989, depois da conclusão da obra.
Moradores registraram muitas imagens dos dias de cheia em São Francisco. Nos dias de maior volume, a água alcançou a orla da cidade. Assim como em todos os municípios cortados pelo rio, comunidades ribeirinhas precisaram deixar suas casas logo no início da cheia. Muitas comunidades ficaram isoladas com a subida.
Passadas duas semanas do auge da cheia, o nível do rio continua bastante cheio, mas já diminuiu quase 3 metros, chegando a 7,33 m nesta sexta-feira (4).
A cheia seguiu nos dias seguintes pelas próximas cidades do rio São Francisco, como Januária, Itacarambi e Manga, onde a água alcançou algumas ruas da cidade por meio de uma lagoa marginal. Na última cidade antes de chegar à Bahia, o nível chegou a 8,50 m, 49 centímetros a menos do que o registrado em 2012 e 2,80 menor do que o recorde histórico de 1979, de 11,30.
Em Manga, os maiores registros além destes foram nos anos de 1992, com 10,63 m, de 1949, com 10,40 e de 1946, com 10,11 m.
Bahia
O pico da cheia chegou à Bahia na última semana. Em Malhada e Carinhanha, primeiras cidades do Estado banhadas pelas águas do Velho Chico, o nível chegou a 8,20 m. A cheia causou grandes alagamentos em áreas dos município.
Na foz do rio Carinhanha, com a subida do nível, a água avançou rio acima, formando um alagadiço quilométrico. Do outro lado, em Malhada, a água avançou sobre as lagoas marginais, alagando praticamente toda a faixa do município a uma distância superior a 5 quilômetros do leito em alguns casos.
As duas cidades, construídas nas margens opostas do rio, não foram atingidas pela cheia, mas por pouco a água não chega às áreas mais baixas.
Em Bom Jesus da Lapa a cheia continua muito forte desde o último domingo. Próximo á cidade, onde o rio da uma afunilada, o nível registrado chegou a 9,20 m na madrugada desta sexta-feira (4), seis centímetros a mais do que o registrado no último domingo (30).
O nível é o quarto maior registrado desde 1940 pelo SGB/CPRM, ficando atrás apenas das cheias de 1979, quando a cota foi de 10,20 m, 1992, de 9,98 e apenas seis centímetros a menos do que o registro de 1949, que foi 9,26 m.
Nas próximas cidades, como Ibotirama, Paratinga e Morpará, o rio ainda deve ganhar mais um pouco de volume até meados da próxima semana.
Sobradinho
O reservatório de Sobradinho vai chegar a 70% de seu volume útil nas próximas horas. A afluência chegou a 5.720 m³/s nesta sexta-feira. Esta é a maior marca desde 2012, e ainda vai subir mais um pouco com o avanço da cheia.
À jusante, a Chesf mantém a vazão de 4.000 m³/s por tempo indeterminado. A cheia mudou a paisagem das cidades banhadas pelo Velho Chico, como Juazeiro, na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco.
Como a vazão nas demais hidroelétricas também permanece no mesmo patamar, o rio São Francisco está com o maior volume em 15 anos também nas cidades de Alagoas e Sergipe, a até a foz no Oceano Atlântico.