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Descobertos de novos sítios arqueológicos no rio São Francisco

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e no imaginário popular o sertão é visto como um local árido, empobrecido e improdutivo, a arqueologia vem revelando que há milhares de anos a região é muito mais rica, produtiva e ocupada do que os estereótipos apontam.

Especialmente na bacia do Rio São Francisco, na tríplice fronteira entre Alagoas, Sergipe e Bahia, que abriga mais de 500 sítios arqueológicos, cujas origens chegam a remontar quase nove mil anos. Para se ter uma ideia da exuberância do Patrimônio Arqueológico da área, em fiscalização preventiva no sertão alagoano, uma força tarefa com diversas instituições públicas identificou três sítios arqueológicos até então desconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Situado em Pariconha (AL), um desses sítios foi localizado pelos próprios indígenas que habitam o território, da etnia Jeriponkó. Os indígenas conduziram ao local a equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural. Além do Instituto, a força-tarefa conta com a participação do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público Estadual (MPE) e de outras 20 instituições. O sítio é formado por um painel de pinturas rupestres com motivos geométricos. Com bom estado de conservação, remete, provavelmente, aos primeiros moradores do sertão, que ocuparam o território e ali deixaram as marcas de seu modo de vida.

Os outros dois sítios recentemente encontrados se localizam em Água Branca (AL). Com afloramentos rochosos em granito, expõem pinturas geométricas nas cores vermelha, amarelo e branco. Também apresentam ótimo estado de preservação. Tais bens ainda serão cadastrados como sítios arqueológicos pelo Iphan, autarquia federal vinculada à Secretaria Especial da Cultura e ao Ministério do Turismo. Exemplificam a relevância da região, que apesar de ser pouco estudada pela academia científica, vem se constituindo como uma das áreas com mais expressiva densidade de bens arqueológicos do país. Os milhares de fragmentos de cerâmica, pinturas rupestres e restos de materiais orgânicos pré-históricos ajudam a contar a história da ocupação do território nacional.

Muitos dos sítios arqueológicos da bacia do rio São Francisco, carinhosamente chamado pelos brasileiros de “Velho Chico”, foram localizados durante os estudos ambientais requeridos para a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, a partir de 1988. Capitaneado pela Universidade Federal de Sergipe (UFSE), o Projeto Arqueológico de Xingó (PAX) desenvolveu-se por mais de 10 anos e foi financiada pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), empresa responsável pela instalação da usina.

O sítio arqueológico mais antigo já identificado na bacia do Rio São Francisco remonta há aproximadamente 8.950 anos. É o Justino, situado em Canidé, no Sergipe (SE). Outros sítios já registrados na área podem ter a mesma idade ou ser ainda mais antigos. Somente pesquisas arqueológicas podem nos dar respostas quanto à origem desses bens. A estimativa de data é viabilizada pela análise de materiais orgânicos e fragmentos de cerâmicas coletados em escavações promovidas por arqueólogos.

Além disso, o estudo de vestígios de cerâmicas comprova que os grupos que ocuparam a área não eram apenas caçadores e coletores, mas também dominavam as técnicas de agricultura. Provavelmente, viviam de forma semissedentária: realizavam estadias mais longas em locais onde os recursos naturais eram abundantes, como pode ser o caso da área no entorno do Velho Chico. “De acordo com os estudos realizados até o momento, a região foi habitava por grupos distintos e o rio certamente foi um elo de grande significado para esses povos”, explica a arqueóloga do Iphan-AL Rute Barbosa.

Um dos fatores que explica a pluralidade de sítios no local é o clima semiárido. A escassez de umidade e de precipitação favorece a preservação dos achados. Soma-se a isso o cuidado de não danificar os sítios arqueológicos, perpetuado pelas diversas gerações que se sucederam no território .

“Esses vestígios demonstram que os habitantes antigos da área manejam muito bem os recursos disponíveis na região, desde o período pré-colonial. O sertão possui uma biodiversidade impressionante, qualquer gota de água gera muita vida por lá”, resume Rute.

A multiplicidade de sítios arqueológicos nos mostra que, desde a pré-história, o território conhecido hoje como sertão nordestino é continuamente povoado, seja às margens do Velho Chico ou nas zonas mais afastadas. O sertão é, antes de tudo, um lar.

A comunidade se apropria do Patrimônio Arqueológico

O nome do Assentamento Nova Esperança, em Olho D’água do Casado (AL), ecoa o movimento da comunidade local para valorizar o Patrimônio Arqueológico e reinventar a sua relação com o território. Projeto de arqueologia colaborativa, as ações são construídas com a participação ativa da comunidade na gestão dos 48 sítios arqueológicos cadastrados na região. Conservar painéis rupestres, promover ações de educação patrimonial e gerar renda a partir da gestão sustentável dos sítios são apenas algumas das ações promovidas pelos moradores em parceria com o Iphan-AL.

Há 20 anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criou o assentamento, com famílias que viviam da agricultura. Desde 2020, moradores são treinados para desenvolver produtos de economia criativa com temática da pintura rupestre. Oficinas de corte e costura, artes plásticas e culinária atraíram os moradores para a tarefa. Os esforços estão gerando frutos: compotas de doces e geleias, camisas, temperos e licor de murici – fruto comum nas regiões Norte e Nordeste do país – já são vendidos pela comunidade para os turistas que aparecem cada vez em maior número no território.

“O projeto contou uma história que poucos conheciam, que é a história dos nossos antepassados, dos sítios arqueológicos, das artes rupestres e da riqueza que temos ao nosso redor e não sabíamos. O turismo vai funcionar de forma que todos possam usufruir da cadeia produtiva do assentamento. Uma mulher que está em casa ou indo pra roça também tem a expectativa de ter uma renda pra ela. Um pai de família que produz o seu alimento e trabalha com couro vai produzir o seu artesanato e contribuir com o projeto. Um jovem que termina seus estudos e não tem expectativa de trabalho na comunidade vai poder trabalhar como condutor, recepcionista e várias outras coisas”, enaltece a moradora Ana Paula.

O Iphan investiu aproximadamente R$ 740 mil em medidas de conservação da arte rupestre e ações com os habitantes de Nova Esperança.

Em outro assentamento do estado, o Lameirão, Girlene dos Santos escolheu o sítio arqueológico chamado de “Delmiro 17” como teto em 1989, até que casas começassem a ser erguidas pelo MST. No local teve dois filhos, onde também criou outros cinco que chegaram com ela ao acampamento improvisado pela formação rochosa.

Por um período, viveram embaixo de uma pedra com pinturas rupestres. Doações e agricultura os mantiveram até a casa no assentamento ser construída. Os filhos lembram com afeto da época em que dormiam sob pinturas, protegidos pela arte milenar de seus antepassados, que continuam a inspirar os caminhos das novas gerações desse território ancestral.

* Com informações da Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria da República em Alagoas

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