O cultivo de alface em campos abertos no Brasil pode se tornar inviável durante o verão nos próximos 50 anos devido ao aumento das temperaturas causado pelas mudanças climáticas. Esta é a conclusão de um estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária.
De acordo com a Embrapa, em um cenário otimista de aquecimento global, nos últimos 30 anos deste século, 97% do território brasileiro apresentará risco climático alto ou muito alto para o cultivo de alface em campo aberto durante o verão. Os pesquisadores analisaram como diferentes cenários de mudanças climáticas podem impactar essa hortaliça, que é sensível a altas temperaturas.
O engenheiro-agrônomo Fábio Suinaga, da Embrapa Hortaliças, explica que a alface necessita de temperaturas amenas e boa umidade para se desenvolver. “Os números projetados são preocupantes porque a adaptação da espécie às altas temperaturas é mínima, especialmente se considerar que as sementes de alface exigem temperaturas inferiores a 22°C para germinar”, afirma.
Cenários Climáticos
Os pesquisadores utilizaram projeções climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Foram considerados dois cenários: um otimista (RCP 4.5), com controle das emissões de gases do efeito estufa, resultando em um aumento de temperatura entre 2°C e 3°C entre 2071 e 2100; e um pessimista (RCP 8.5), com emissões crescentes, resultando em um aumento de até 4,3°C.
No cenário otimista, 79,6% do território nacional terá risco climático alto e 17,4% muito alto. No cenário pessimista, 11,8% do território terá risco alto e 87,7% muito alto. Em ambos os casos, praticamente todo o território se aproximará do nível inviável para cultivo de alface em campo aberto no verão.
Atualmente, a maior parte do cultivo de alface no Brasil ocorre em campos abertos, com uma menor parte em ambientes protegidos, como estufas.
O calor pode causar a queima de borda na alface, conhecida como tipburn, uma desordem relacionada à deficiência de cálcio nas folhas. Em condições desfavoráveis, como altas temperaturas e excesso de umidade, as folhas crescem rapidamente, comprometendo o deslocamento de cálcio e causando manchas escuras nas bordas.
Temperaturas médias acima de 25ºC também causam florescimento precoce, reduzindo a qualidade e o padrão comercial da alface. O engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco, da Embrapa, destaca a importância de entender os impactos das mudanças climáticas para desenvolver estratégias de adaptação.
“Os mapas evidenciam a urgência de pensarmos em sistemas produtivos adaptados ao clima, especialmente para hortaliças, que são mais sensíveis que culturas como milho ou soja”, afirma Pacheco.
Adaptação e Pesquisa
A Embrapa desenvolve pesquisas para criar tipos de alface mais tolerantes ao calor e sistemas de produção sustentáveis. Entre as cultivares, destaca-se a alface BRS Mediterrânea, que é mais precoce e menos exposta às oscilações de temperatura.
Além disso, a empresa trabalha no desenvolvimento de espécies com raízes vigorosas, capazes de aproveitar melhor água e nutrientes do solo. Os pesquisadores planejam ampliar os estudos para outras hortaliças, como tomate, batata e cenoura, utilizando inteligência artificial para automatizar a geração de mapas de risco climático.
Segundo o último Censo Agropecuário do IBGE, em 2017, o Brasil produziu 671,5 mil toneladas de alface, com São Paulo sendo o principal produtor. Dados mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam que as Ceasas comercializaram 4,6 mil toneladas de alface em agosto de 2025, com São Paulo, Curitiba e Fortaleza liderando os volumes.