A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) decidiu pelo cancelamento da matrícula da estudante Janecleia Sueli Maia Martins, aprovada no curso de Medicina no vestibular de 2023, aos 49 anos, após prestar vestibular pela décima segunda vez.
A decisão foi publicada na edição desta quarta-feira, 17 de abril, do Diário Oficial do Estado (DOE), por meio de uma portaria, assinada pela reitora Adriana Marmori. De acordo com o documento, a medida teve como base o desdobramento de um processo administrativo, motivado por uma representação apresentada por outros candidatos junto ao Ministério Público estadual (MP-BA).
A estudante concorreu ao vestibular na reserva de cotas para candidatos negros, gerando questionamentos pelo fato de ser de pele branca, conforme as fotos divulgadas em suas redes sociais e nos meios de comunicação que repercutiram o feito.
À época do fato, a Uneb informou que abriu um procedimento para analisar o caso e que a autodeclaração goza da presunção relativa de veracidade. A universidade disse ainda que, uma vez verificada a sua inconsistência ou falsidade, os(as) candidatos(as) seriam eliminados(as) do processo seletivo ou teriam a matrícula anulada a qualquer tempo, mesmo se já matriculados(as), conforme prevê a resolução interna sobre cotas e o edital do vestibular.
De acordo uma matéria publicada pelo site Bahia Notícias à época, apesar da decisão pelo cancelamento da matrícula, Janecleia passou por uma avaliação da Comissão Departamental de Validação da Autodeclaração logo após a repercussão da denúncia, recebendo um parecer positivo, assinado pela presidente do órgão.
História comovente
Janecleia é pernambucana da cidade de Petrolina. Ela trabalhava como passadeira e sonhava em ser médica desde que tinha 11 anos, no entanto, sem recursos, o sonho ficou adormecido por décadas. Aos 16 anos, deixou de frequentar a escola após concluir o ensino médio. No mesmo ano, ela se casou e, com 17, foi mãe pela primeira vez.
Trabalhando em diversas funções, como caixa de supermercado, faxineira e cozinheira, ela se dedicou aos cuidados de sua família. Aos 24 anos, teve seu segundo filho. “Sou de uma família muito simples e humilde, nunca tivemos condição de nos dedicar aos estudos. Sempre precisei trabalhar para levar comida para dentro de casa e assim foi desde que me casei”, explicou à época.
Em 2010, já com 36 anos, Jane, como é conhecida, reativou sua vontade de estudar após a chegada do curso de Medicina no campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) de sua cidade. Ela então decidiu retomar os estudos com o objetivo de cursar medicina. Sem condições de pagar um cursinho de preparação para o vestibular, ela passou a disputar vaga de bolsista em instituições de ensino do município.
“Como eu sempre estudei em escola pública, podia disputar bolsas para estudar de graça [em preparatórios], e assim foi. Mesmo quando eu não conseguia, eu pedia ajuda e fui conseguindo voltar a estudar. Comecei do zero, porque como fiquei mais de 15 anos sem estudar, o conteúdo mudou bastante”, relatou.
Jane, como é conhecida, disse ainda que enfrentou vários preconceitos ao longo de todos estes anos tentando passar no curso de seus sonhos. “Quando eu falava que ia prestar medicina, logo vinham os olhares me julgando. O que eu mais ouvi é que estava velha para isso. Muita gente me disse que eu já estava no fim da vida e não deveria perder tempo tentando ser médica”, concluiu.
Ao saber da aprovação, em março do ano passado, ela pegou dinheiro emprestado com familiares e foi para Salvador efetuar a matrícula. Com ajuda da filha, fez uma vaquinha que arrecadou cerca de R$ 32 mil, recursos usados para que ela pudesse se manter na capital baiana.